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EM BH,
O MILAGRE DA MULTIPLICAÇÃO
DA MÚSICA
INSTRUMENTAL

Café com Letras é o epicentro de uma transformação na cena local que se desdobrou em festival de jazz, selo fonográfico e projetos para mulheres, jovens artistas e crianças

por_Eduardo Fradkin do_Rio

Café com Letras é o epicentro de uma transformação na cena local que se desdobrou em festival de jazz, selo fonográfico e projetos para mulheres, jovens artistas e crianças

por_Eduardo Fradkin do_Rio

Fundada há 27 anos, uma casa que faz as vezes de cafeteria, livraria e clube de jazz foi o embrião de uma série de iniciativas que vêm impulsionando a música instrumental em Belo Horizonte. Com capacidade para 110 pessoas (mas apenas 20 no ambiente onde fica o palco para shows), o Café com Letras é o xodó do produtor cultural Bruno Golgher. Seus desdobramentos são múltiplos: um longevo festival de jazz, um selo fonográfico, um projeto de inclusão de mulheres na música instrumental, outro voltado só para artistas jovens, um programa de apoio a compositores e até uma série que apresenta grandes nomes da música clássica para crianças.

A iniciativa de estimular a participação de mulheres nasceu de uma conversa com uma artista que passou pelo Café com Letras, como relembra o produtor e fundador da casa: "Um dia, estava vendo um show com a baixista Camila Rocha. Na época, ela estudava na Escola de Música da UFMG. No intervalo, fui conversar com ela e perguntei onde estavam as colegas de curso dela, as outras mulheres que estudavam música. Ela respondeu que muita gente estava na canção e, às vezes, no rap, mas muito poucas na música instrumental. A partir dessa conversa, eu resolvi fazer alguma coisa. Então, inaugurei um palco no Savassi Festival chamado Mulheres Criando Música Instrumental". Esse espaço, agora rebatizado Palco Mulheres na Música Instrumental, terá, na edição deste ano, o apoio da Funarte e a estreia de uma ação para fomentar composições assinadas por mulheres. "Vai ser escolhida uma compositora para criar uma obra nova, que será apresentada no festival. Depois ela gravará essa composição em estúdio e a lançará num disco", anuncia Golghe

O mais recente desses empreendimentos é o Clube de Jazz do Café com Letras, que fica na mesma rua do negócio que lhe deu origem e comporta cerca de 80 espectadores. Foi inaugurado em julho do ano passado e tem uma programação invejável, com apresentações ao vivo de quarta a domingo. Aos sábados, não é raro haver dois shows, um à tarde e outro à noite. O elenco não se restringe a artistas locais. Nomes famosos de outros estados - como André Mehmari, Wagner Tiso, Carlos Malta ou (o argentino radicado no Brasil) Torcuato Mariano - costumam passar por lá, assim como artistas vindos de outros países.

"Tenho um patrocínio para passagens aéreas e hospedagem em hotel. É isso que me dá a chance de trazer pessoas de fora (de Minas Gerais). Além disso, os músicos já me conhecem e cobram um cachê que posso pagar, e não o mesmo que eles cobrariam para se apresentar num grande festival, por exemplo. Eu consegui construir essa relação com os músicos porque ofereço uma estrutura confiável, com uma bateria boa, um piano bom, PA de qualidade", explica Golgher.

"Já fiz shows solo e com banda, e a estrutura é muito boa mesmo. O Bruno (Golgher) proporciona tudo que é necessário para uma boa apresentação", elogia o pianista Wagner Tiso.

"Recentemente fiz dois shows no Clube de Jazz, um tocando meu disco em homenagem à Elis Regina e outro com repertório de Pixinguinha. Não levei banda. Em vez disso, toquei com músicos locais, e foi uma grata surpresa. Eles são fantásticos, muito eficientes. A cena lá é muito forte", conta o mestre dos sopros Carlos Malta. "No Savassi Festival, nunca toquei. Já fui convidado, mas sempre estava com a minha agenda cheia", acrescenta ele, referindo-se ao evento que nasceu em 2003 e chega à 21ª edição este ano, entre os dias 13 a 20 de agosto.

É dentro desse festival - uma das crias do Café com Letras - que acontecem ações inclusivas voltadas para músicos em início de carreira e para mulheres instrumentistas e compositoras.

"O projeto Novos Talentos do Jazz, para músicos de até 30 anos, começou no Savassi. É importante, porque esses músicos ainda não têm um público cativo, e muitos ainda estão procurando sua voz como artistas. Essa ação já existe há 15 anos. Tem um processo seletivo, via edital. Eu cheguei a construir uma rede de contatos, pela qual os músicos selecionados tocavam não só no Savassi, mas em outros festivais pelo Brasil. O problema é que a pandemia bagunçou isso, porque muitos festivais não voltaram ou ressurgiram em formatos diferentes", lamenta Golgher.

A longevidade traduz o sucesso do evento, que derivou em outras iniciativas, como o lançamento do selo Savassi Festival Records. Cria do projeto Música Nova, o Records vem comissionando novas obras para serem apresentadas no festival e, posteriormente, gravadas. É justamente o Música Nova que, agora, ganha uma ramificação só para compositoras.

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Uma seleção de vídeos da Savassi Records

O primeiro lançamento da Savassi Festival Records, em maio de 2017, foi nada menos que um álbum internacional, intitulado "Suíte Onírica". Depois de ter estreado essa peça de jazz sinfônico no Savassi Festival, o pianista e compositor Rafael Martini pegou um voo para Caracas, onde fez a gravação com a Orquestra Sinfônica da Venezuela. Já o primeiro registro feito em solo brasileiro para o selo foi privilégio de uma mulher, a pianista Luísa Mitre, que produziu o disco "Oferenda" com seu quinteto.

CONSEGUI CONSTRUIR ESSA RELAÇÃO COM OS MÚSICOS PORQUE OFEREÇO UMA ESTRUTURA CONFIÁVEL, COM UMA BATERIA BOA, UM PIANO BOM, PA DE QUALIDADE.

Bruno Golgher, dono do Café com Letras

"Há uma busca permanente por mulheres que sejam não só instrumentistas, mas também compositoras. Acho que vêm surgindo mais grupos com mulheres, mas não vejo necessariamente um crescimento na quantidade de compositoras", admite Golgher.

Este ano, dois lançamentos estão previstos: discos dos guitarristas Juarez Moreira e Felipe Vilas Boas. Os álbuns costumam ter prensagem de mil exemplares, metade deles dada aos próprios músicos, que realizam vendas por conta própria. Também desembocam nas plataformas digitais. Nelas, há outro produto da grife Savassi: um podcast chamado Jazz, Por Favor!

Até o público infantil é contemplado nas ações de inclusão do empresário mineiro. Sediada no Clube de Jazz, a série Jazzinho - encabeçada pelos músicos Shira e Alberto Ouziel - apresenta aos pequenos a vida e a obra de compositores como Schumann e Tchaikovsky. Com uma programação tão rica e diversificada sob seus cuidados, Golgher tem uma visão auspiciosa sobre a cena musical em sua cidade. "Hoje em dia, temos uma oferta de música instrumental muito grande em Belo Horizonte. São vários shows por dia, em diferentes lugares. A cena hoje é mais forte do que há dois ou três anos. Os músicos estão incrivelmente ocupados. E são de várias gerações, de 20 a 70 anos"

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