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Por que

INTÉRPRETES

E PRODUTORES

ainda não recebem

nada das rádios americanas?

Entenda a atuação de entidades como a SoundExchange e de senadores dos EUA para levar uma justa remuneração aos titulares de direitos conexos naquele país, com impacto no mundo todo

por_Alessandro Soler de_Berlim

Entenda a atuação de entidades como a SoundExchange e de senadores dos EUA para levar uma justa remuneração aos titulares de direitos conexos naquele país, com impacto no mundo todo

por_Alessandro Soler de_Berlim

O próximo 20 de agosto é o Dia Nacional do Rádio nos Estados Unidos. E, mais uma vez, será uma jornada para recordar uma anomalia de décadas que castiga intérpretes e produtores fonográficos por lá: eles simplesmente não recebem direitos conexos quando as canções de que participam são executadas nas mais de 8,3 mil estações AM e FM espalhadas por toda a nação. A luta pela justa recompensação é um dos principais eixos de atuação da poderosa SoundExchange, maior sociedade de gestão coletiva de direitos conexos do mundo. Mas essa batalha mobiliza também outras frentes: o Congresso americano é palco de um projeto de lei sobre o tema que, se bem-sucedido, poderá impactar vários outros países mundo afora.

Arquivo pessoal
Arquivo pessoal

A senadora americana Marsha Blackburn, uma das autoras da lei de justiça na música americana...

Arquivo pessoal
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...e o também senador Alex Padilla, parceiro de Blackburn na lei: ambos estão em partidos opostos mas defendem o direito à remuneração dos intérpretes

Há vários anos existem tentativas, em âmbito legal e judiciário, para mudar uma situação que se cristalizou desde que, na década de 1950, autores e editores conseguiram que as rádios aceitassem pagar direitos autorais. Na época, uma manobra dos então poderosos conglomerados de radiodifusão conseguiu deixar intérpretes, músicos e produtores fonográficos (gravadoras) de fora do bolo de distribuição, levando até pesos-pesados como o cantor Frank Sinatra a se envolverem na pressão em favor dos intérpretes. Não deu certo.

Nos anos 1990, em meio a um ambiente político favorável à causa dos artistas e das gravadoras, as rádios cederam e toparam pagar direitos conexos para suas transmissões digitais — talvez num erro de cálculo, sem prever muito bem o peso que a internet de alta velocidade daria a esse tipo de consumo de música. Mas as transmissões analógicas, que eram então poderosíssimas e, ainda hoje, representam grande parte do faturamento das emissoras, continuaram teimosamente fechadas à ideia de recompensar aos intérpretes e produtores.

Mais recentemente, projetos de lei prevendo o pagamento de conexos terminaram barrados em comissões durante sua tramitação, mas uma coalizão entre os dois principais partidos do país, o Democrata e o Republicano, quer tentar virar esse jogo. Ano passado, os senadores Alex Padilla (democrata da Califórnia) e Marsha Blackburn (republicana do Tennessee) apresentaram juntos o chamado American Music Fairness Act (AMFA), ou algo assim como lei de justiça na música americana.

Uma das principais razões pelas quais é tão difícil aprovar uma lei nos EUA que garanta o pagamento de conexos no rádio é a estreita vinculação entre políticos e emissoras do interior do país. Exatamente como ocorre no Brasil. Muitas vezes, deputados e senadores são donos de estações. Ou têm uma ligação com a estação local, um grande canal para difundir suas propostas e dar publicidade às suas realizações – portanto, um instrumento vital de campanha política.

Para não desagradar aos donos das rádios, muitos políticos publicamente chamam o justo pagamento dos conexos de “imposto” ou “taxa”. Com isso, também buscam a simpatia de uma população que, em sua maioria, vê com desconfiança os impostos e a regulação do Estado na economia.

No intento de vencer essas resistências, o projeto AMFA prevê uma série de descontos e exceções para pequenas estações, que pagariam pouco por licenças gerais que lhe dariam o direito de usar toda a música que quisessem. “Garantimos às estações que faturam menos de US$ 1,5 milhão, e que pertençam a uma rede com faturamento menor de US$ 10 milhões por ano, pagar menos de US$ 2 por dia, não mais de US$ 500 por ano. Por música ilimitada. Essa proteção assegura às emissoras locais a segurança econômica de que precisam para servir às nossas comunidades (ao mesmo tempo em que retribuem, de maneira justa, aos titulares de direitos conexos)”, escreveram os senadores Padilla e Blackburn.

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A pressão da indústria – gravadoras, representantes dos intérpretes – será fundamental para que a proposta chegue a ser votada em plenário. Isto e a opinião pública, que tenderia a se colocar a favor daqueles cujas canções entretêm e emocionam milhões de pessoas todos os dias.

“A maioria dos que não recebem são músicos sem uma enorme fama, que lutam para se manter e sustentar suas famílias. Para cada Beyoncé ou Dolly Parton, há incontáveis backing vocals e músicos acompanhantes cuja criatividade marcará gerações. Estes artistas merecem ser recompensados pelo seu trabalho”, escreveram os dois senadores em 21 de junho num artigo publicado na revista Variety por ocasião do Dia Mundial da Música. “Esse status quo infeliz de agora não é só anacrônico, é antiamericano. A dignidade do trabalho duro e um pagamento justo em retorno são uma crença fundamentalmente americana pela qual lutamos.”

COMO ATUA A SOUNDEXCHANGE

Essa crença está no centro das ações da SoundExchange. Com argumentação e uma boa equipe jurídica, a entidade vem conseguindo importantes vitórias para os titulares de direitos conexos desde que foi fundada, há duas décadas, em Washington. Há 15 anos, por exemplo, o percentual sobre o faturamento das emissoras que era pago pelas transmissões das rádios pela internet era de 2%. Agora, é de 15,5%. Na ausência de leis de proteção aos direitos autorais e conexos que estabeleçam critérios claros, a atuação da SoundExchange para conseguir melhores taxas para os seus titulares tem se dado nos tribunais e no âmbito do Copyright Royalty Board (CRB), um colegiado dentro da Justiça americana responsável por dirimir questões relativas ao tema.

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“Pouco a pouco, estamos avançando”, diz à UBC Michael Huppe, presidente e diretor-executivo da SoundExchange. Advogado de formação, ele é o mentor da estratégia de atuação da organização, que se baseia grandemente na denúncia da incongruência que é o modelo atual aceito pelas rádios.

“Quando você dirige o seu carro e coloca numa estação de FM cujo sinal vem pela antena, o autor é pago, mas o intérprete não. Você aperta um botão diferente no painel do mesmo carro e, agora, ouve rádio via satélite. Pronto: tanto o autor como o intérprete recebem. Não faz o menor sentido.”

Arquivo pessoal
Arquivo pessoal

Michael Huppe, presidente da SoundExchange

Os políticos parecem saber disso. As próprias rádios parecem saber. Mas, claro, estamos falando de um mercado multimilionário no qual ninguém quer perder.

“Atualmente, mesmo sem a parte analógica envolvida, nós recolhemos e distribuímos anualmente mais de US$ 1 bilhão em direitos conexos. Isto representa 42% do total mundial, é muito dinheiro. Sabemos que o faturamento das rádios nos EUA varia de US$ 10 bilhões a US$ 12 bilhões por ano. Suponhamos que ganhemos amanhã essa batalha na Justiça, e que os juízes estabeleçam 4% ou 5% sobre o faturamento das rádios como o valor a ser pago aos intérpretes e produtores pelo uso das suas músicas. Estaríamos falando de US$ 400 milhões ou US$ 500 milhões por ano”, calcula Huppe.

Ele afirma que já há tentativas de acordo sobre a mesa – as rádios intuem que não poderão segurar a pressão política e social muito mais tempo. Mas os termos que elas vêm propondo parecem inaceitáveis para os representantes dos artistas:

“Dizem que topam pagar conexos sobre as transmissões analógicas desde que aceitemos reduzir o percentual do pagamento atual sobre as transmissões digitais. Isso está fora de questão. É como se nos pedissem abrir mão do futuro para ficar com algo do presente e do passado.”

IMPACTO NO RESTO DO MUNDO

RECOLHEMOS E DISTRIBUÍMOS ANUALMENTE MAIS DE US$ 1 BILHÃO EM DIREITOS CONEXOS. É 42% DO TOTAL MUNDIAL.

Michael Huppe, SoundExchange

Uma importante consequência global para essa anomalia americana é que os intérpretes e produtores fonográficos desse país deixam de receber seus conexos de algumas nações onde existe o pagamento normal. Isto porque essas nações aplicam o princípio de reciprocidade: se seus autores não recebem nos EUA, também não pagarão aos estadunidenses em seu território.

Alguns dos países mais protecionistas do mundo com sua própria cultura, sobretudo na Europa (França, Bélgica e Holanda estão entre eles) aplicam o princípio e deixam, em seu conjunto, de mandar de US$ 200 milhões a US$ 300 milhões anuais em conexos para os EUA, nas contas da SoundExchange. Huppe diz que a lógica aplicada não tem sentido:

“É verdade que as transmissões analógica das rádios daqui não pagam conexos. Mas as transmissões digitais, sim. E pagam bastante. Só a parte digital dos EUA é maior do que a de muitos países somados. Como eu já disse, respondemos por 42% dos conexos do mundo. Então, os intérpretes franceses recebem muito dinheiro vindo daqui. É injusto que os titulares americanos sejam prejudicados.”

Ele evoca o princípio de tratamento nacional imposto por tratados internacionais de direitos conexos, como a Convenção de Roma – da qual vários dos países que negam as transferências aos titulares americanos são signatários. Decisões recentes da Justiça europeia deram esperança de que os estados desse continente que se recusam a pagar aos titulares dos Estados Unidos sejam forçados a fazê-lo.

“O Brasil paga. Na Europa, países como a Espanha também. É um dos nossos maiores aliados”, revela Huppe, que prevê uma luta de alguns anos pela frente até que os titulares de direitos conexos do seu país possam começar a receber sua justa remuneração pela execução pública em rádios. “Ainda são muitas frentes: lutar pelo pagamento aqui nos Estados Unidos, esperar que os países que não nos pagam se adaptem... Mas estou certo de que vamos sair vitoriosos. E que a correção desses erros vai permitir que o bolo geral cresça e que mais pessoas sejam recompensadas pelo uso do seu trabalho. Vai impactar positivamente toda a indústria. Todo mundo tem a ganhar.”

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