por_Eduardo Fradkin • do_Rio
Em busca de novos públicos, museus e galerias de arte vêm recorrendo à música ao vivo, muitas vezes integrando shows às suas exposições. MPB, funk, jazz e clássico são alguns dos gêneros que embalam as pinturas e esculturas de lugares como o Museu de Arte do Rio e o centro cultural Capiberibe 27 (também na capital fluminese), o Masp (em São Paulo) e o Poço das Artes (em Recife), entre outros.
Uma das séries mais bem-sucedidas de música em museus é - ora, pois - a Música no Museu, com edições em instituições de estados como Minas Gerais, São Paulo, Bahia, Pernambuco e Rio de Janeiro, entre outros. Criada em 1997, ela já deu frutos como edições até em terras estrangeiras e um festival anual de harpas, e está sempre incorporando novos espaços - este ano, aportou na Fundação Eva Klabin, no Rio.
A iniciativa, apesar do sucesso, não é a mais longeva. No Museu da República, no Rio, uma série de serestas iniciada em 1991 continua cheia de fôlego, com apresentações às terças, quartas, sábados e domingos, das 15h30 às 18h.
O Masp promove, desde 2015, uma simbiose bem pensada entre música e artes visuais, numa parceria com a Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo (Osesp). O programa "Osesp Masp" ganha nova edição no segundo semestre deste ano. No auditório do museu, um conjunto de câmara formado por integrantes da orquestra toca composições que têm alguma relação – estética ou temporal – com obras da coleção do museu, enquanto um curador comenta os vínculos entre os exemplares das duas formas de arte. Depois do concerto, os espectadores visitam o espaço expositivo do andar superior para ver de perto as pinturas ou esculturas que, enquanto ouviam a música, eram projetadas num telão.
A PROPOSTA É CONVIDAR O PÚBLICO A FAZER COMPARAÇÕES E TENTAR VER, NA MÚSICA, ASPECTOS VISUAIS. ”
O curador e crítico de arte Carlos Eduardo Riccioppo foi um dos palestrantes do ano passado, em concertos que relacionaram, por exemplo, uma bailarina esculpida por Degas com sonatas para violino de Eugène Ysaÿe, ou uma pintura de Volpi com composições de Händel, Osvaldo Lacerda e Edu Lobo.
"Muitos estudantes e professores apareceram para ver as apresentações. A proposta é convidar o público a fazer comparações e tentar ver, na música, aspectos visuais. É possível fazer correlações entre uma obra musical que tenha fraseados rápidos intercalados com longos ou agudos seguidos de graves e, do outro lado, uma obra (pictórica ou escultórica) que contraste elementos pontiagudos e arredondados. Quando falei de Ysaÿe e Degas, por exemplo, ressaltei que foram dois artistas muito experimentais, mas que, todavia, não abriram mão da relação direta com a tradição. Há semelhanças formais nos processos de criação deles", aponta Riccioppo.
VÃO LIVRE PARA A ARTE
Apresentações musicais também ocorrem no vão do Masp, um espaço democrático que serve a vários propósitos, como declamações de poesia e protestos políticos. No Museu de Arte do Rio (MAR), um espaço semelhante é destinado exclusivamente a atividades musicais.
"Os museus precisam pensar na ampliação do público e na ocupação de seu espaço. Há alguns anos, passamos a usar o vão do pilotis para o programa MAR de Música. A curadoria busca expressões jovens e também sambistas tradicionais. Martinho da Vila e Teresa Cristina já passaram por lá, por exemplo. É um programa gratuito, apoiado pelas leis de incentivo", explica o curador-chefe do MAR, Marcelo Campos.
Além desse programa, há shows contratados para as vernissages de exposições. Eles acontecem naquele vão ou no terraço, que tem uma bela vista da região portuária do Rio. Na abertura da exposição "Um defeito de cor", em setembro do ano passado, a bateria da Beija-Flor de Nilópolis se apresentou lá. A mostra fica em cartaz até agosto deste ano.
"Em exposições com temáticas raciais, trazemos rappers e gente do funk. Já tivemos um DJ indígena na apresentação da bandeira feita pelo artista indígena Xadalu (o MAR hasteia na cúpula de seu prédio, periodicamente, bandeiras confeccionadas por artistas plásticos). Na abertura da exposição que teremos sobre Carolina Maria de Jesus, queremos trazer a Zezé Motta. Em setembro, teremos uma sobre a história do funk carioca, que virá acompanhada de uma programação desse estilo musical. Já estamos com consultores como Deize Tigrona, Taísa Machado e Dom Filó", detalha Campos.
Assim como no MAR, há um esforço da direção do Museu da República, também no Rio, para conjugar a música com a programação visual. Em maio, a inauguração da exposição "Cidade 60+" (que fica em cartaz até 16 de julho) teve trilha sonora dos seresteiros em parceria com a Gloriosa Roda de Samba (nascida no bairro carioca da Glória).
A mesma combinação de arte e samba é a tônica do centro cultural Capiberibe 27, no bairro do Santo Cristo, região central do Rio. Localizado nos arredores do Morro do Pinto, ele fica bem próximo à Fabrica Bhering, um prédio de seis andares onde funcionou a primeira planta produtora de chocolates do Brasil e, hoje, é ocupado por ateliês de artistas plásticos, lojinhas e restaurantes (alguns com programação de shows).
Menos conhecido que a Bhering, mas com uma proposta semelhante, o Capiberibe 27 fica no prédio da Zani Fundição Artística, onde foram fabricados monumentos de bronze como a cabeça de Zumbi dos Palmares instalada na Av. Presidente Vargas, no Centro da cidade. O espaço de 1.400 metros quadrados foi comprado por um coletivo de 17 pessoas - pintores, escultores e estilistas -, em setembro de 2019. Após uma ampla reforma, cada um montou o seu ateliê ali, e o centro cultural foi inaugurado em março de 2022, com eventos abertos ao público.
O LUGAR, SÓ COMO GALERIA, ATRAÍA MUITO POUCO PÚBLICO. POR ACASO, EU TINHA MUITOS AMIGOS, ENTÃO COMECEI A CHAMÁ-LOS PARA TOCAR.”
"O Morro do Pinto é um lugar onde o predomina o samba, e não o funk. Isso se reflete na nossa programação. Dependemos de recursos próprios para a manutenção do prédio, então começamos a promover rodas de samba. Elas são comandadas pelo grupo Samba Pra Roda, que aproveita para arrecadar donativos para seu projeto social, o Sejamos Base. Também temos feito exposições de obras de arte com venda direta para o público. Desde maio, estamos integrando as duas coisas. É um formato de ocupação artística com samba, e tudo acontece num único dia. Teremos esse tipo de evento sempre uma vez por mês", conta o presidente da Capiberibe 27, Ualace Milliorini.
FOME DE MISTURA
A proposta de um evento-relâmpago, de um só dia, em que artes visuais e música se entrelaçam foi batizada de "manjar" pelos idealizadores do Instituto Solar dos Abacaxis, que, em 2020, deixou o casarão de 1943 onde funcionava no bairro carioca do Cosme Velho. Por lá, passaram artistas célebres como Adriana Varejão, Antonio Dias e Maxwell Alexandre. Nos manjares, os visitantes dançavam ao som de DJs ou bandas ao vivo, tendo o cuidado de não esbarrar em alguma escultura valiosa de Ernesto Neto ou numa instalação de Anna Bella Geiger.
Apresentação musical no Poço das Artes, no Recife
Em dezembro de 2020, o instituto recebeu um convite para ocupar um sobrado três andares que pertencia à antiga fábrica da Granado, na Rua do Senado, no Centro do Rio. Após um manjar de pré-inauguração feito em dezembro do ano passado, em que o grupo Filhos de Ghandy foi a atração musical, o espaço finalmente terá sua abertura oficial no dia 16 de setembro. O primeiro manjar terá DJs cuidando do som, mas os futuros deverão contar com música ao vivo.
"É uma área de 700 metros quadrados. Vai ter espaço de exposição e ateliês para residências artísticas, que começarão em outubro. No manjar de inauguração, haverá uma exposição coletiva, mas os artistas ainda não estão definidos", diz o curador Adriano Pedrosa.
Perto do antigo endereço do Solar dos Abacaxis, no Cosme Velho, a Ladeira das Artes funciona há sete anos e também oferece um evento que transcorre em um dia juntando música e artes visuais. As Sextas no Galpão acontecem na segunda sexta-feira do mês, bimensalmente.
"Artistas plásticos independentes, geralmente de 18 a 25 anos, expõem e vendem seus trabalhos, e temos quatro apresentações de música num palco aberto. Para participar, os artistas precisam se inscrever. A seleção é feita pelos diretores da casa. Já rolou rap, rock e pop, principalmente num esquema de voz e violão. A casa comporta até 300 pessoas, então é um bom espaço para artistas que já estão despontando", comenta o produtor Marcos Quental.
UMA CASA BEM MUSICAL NO RECIFE
A capacidade de atração de público de cada arte foi calculado por uma empreendedora de Pernambuco que transformou sua casa (e ateliê), no Recife, em centro cultural, inicialmente apenas para expor e vender os seus próprios trabalhos e os de outros artistas locais.
"O lugar, só como galeria, atraía muito pouco público. Por acaso, eu tinha muitos amigos músicos, então comecei a chamá-los para tocar. No início, era só chorinho. Depois, entrou jazz e música brasileira. No fim das contas, a música virou o foco principal da casa", revela a artista plástica Clarissa Garcia, dona do Poço das Artes, que abriga shows toda sexta e sábado (e, às vezes, aos domingos) para um público de 60 pessoas. •