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MÚSICA E SOFT POWER:

o que o Brasil precisa fazer para 'conquistar' o mundo?

Especialistas falam sobre as oportunidades trazidas pelo poder brando da arte, um dos principais temas da próxima edição do Rio2C

por_ Kamille Viola do_Rio
Especialistas falam sobre as oportunidades trazidas pelo poder brando da arte, um dos principais temas da próxima edição do Rio2C

por_ Kamille Viola do_Rio

Nos anos 1990, Joseph Nye, professor da Universidade de Harvard, cunhou a expressão soft power (poder brando), diferenciando essa forma de dominação do hard power (ou poder bruto), exercido nas formas mais tradicionais, como dominação militar e econômica. Para ele, a cultura é uma das principais agentes do soft power, a exemplo do que aconteceu com os Estados Unidos no mundo após a Segunda Guerra. Ao longo de décadas, o país foi distribuindo seus produtos culturais pelo mundo de forma que o planeta se veria “comprando” o ideal americano como um ideal de nação. Do cinema aos hábitos alimentares, passando pela música, os EUA foram pouco a pouco conquistando os outros países, a ponto de sua língua se tornar a mais falada do planeta e sua música se tornar a mais consumida do mundo.

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Se a música foi um dos principais pilares desse poder norte-americano, é interessante observar que o Brasil é um dos poucos países a consumir mais a música produzida internamente do que a vinda dos Estados Unidos. Sinal da força do que é realizado aqui, que, para muitos, tem grande potencial para ter mais expressão no mercado externo. Para o pesquisador musical e professor da PUC-Rio Miguel Jost, a música brasileira já vem realizando esse trabalho de forma orgânica e espontânea há muito tempo.

“Quase nenhum país com histórico socioeconômico semelhante ao nosso conseguiu criar tantos gêneros musicais relevantes e que, ao mesmo tempo que produzem um sentido enorme de pertencimento interno, criaram uma expressão e uma interface do Brasil percebida pelo mundo. Quando o planeta olha para o Brasil , é claro que aparecem muitos elementos, como as festas populares, o futebol, mas foi na música que isso se definiu de forma mais acabada, contínua e com capacidade de gerar uma interlocução com o mundo”, analisa.

Para o pesquisador e professor, de certa forma, nosso país desperdiça a força orgânica espontânea que a história da nossa música mostra como uma espécie de soft power. “O Brasil precisa de iniciativas que conectem políticas públicas e interesses do mercado, para que a gente possa trabalhar essa potência da canção popular brasileira de forma mais organizada e inteligente, e que ela seja mais bem distribuída e alcance os meios necessários para ser mais escutada, estar mais presente nas paradas de sucesso”, defende.

COREIA E AMÉRICA LATINA SÃO MODELO

Fundador do Rio2C, o maior evento de criatividade da América Latina, que reúne grandes nomes do mercado audiovisual, de música e de inovação — e em 2023 acontece entre 11 e 16 de abril, na Cidade das Artes, Zona Oeste do Rio —, Rafael Lazarini concorda que a música nacional já é parte do poder brando brasileiro no mundo. A conferência, por sinal, este ano tem o soft power como tema principal.

A música brasileira é frequentemente associada a uma imagem positiva e vibrante do país, o que pode contribuir para o fortalecimento da sua marca e atrair investimentos e turistas.

Rafael Lazarini, fundador do Rio2C

“Algumas das regiões onde a música brasileira é especialmente popular incluem a Europa; o Japão, onde samba e a bossa nova são muito conhecidos; os Estados Unidos, onde a música brasileira é popular em várias cidades, como Miami, Nova York e Los Angeles, onde há uma grande comunidade de imigrantes brasileiros, e, claro, países latino-americanos, como Argentina, Chile, Uruguai e México”, enumera.

Apesar disso, é unânime que o Brasil pode avançar ainda, e muito, no quesito. Alguns modelos recentes de conquista de soft power por meio da música podem ajudar a dar o caminho das pedras. Um artigo recente publicado no site do centro de estudos MIDiA Research, de Londres, tratou da crescente influência de estilos regionais no cenário mundial, citando o k-pop, o reggaeton e os afrobeats (rótulo dado à música pop contemporânea na África; não confundir com o afrobeat, estilo criado pelo nigeriano Fela Kuti nos anos 1960).

Enquanto o crescimento da popularidade dos artistas africanos é resultado de ações mais pontuais (e do próprio interesse do mercado americano, de tempos em tempos, em olhar para a periferia do mundo em busca de mais frescor para si), os sucessos do ritmo coreano e do latino-americano são resultado de muito investimento.

No caso do reggaeton, as gravadoras pegaram carona no hit “Despacito”, de Luis Fonsi, de 2017, para lançar outros artistas do gênero no mercado norte-americano — que, por si só, tem uma grande fatia de público formada por latinos e descendentes de latinos.

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POLÍTICAS PÚBLICAS COMO MOTOR

Por outro lado, a disseminação do k-pop é resultado de décadas de políticas públicas somadas aos investimentos de agências privadas locais, que treinam seus ídolos ao longo dos anos em um formato meticulosamente pensado para conquistar o mercado internacional.

Nesse cenário, Miguel Jost observa que não dá para menosprezar o fato de que o nosso idioma é uma barreira para uma expansão maior, já que o espanhol tem grande penetração graças à força da comunidade hispano-americana nos Estados Unidos, e o k-pop tem vários dos seus hits cantados em inglês — embora muitos outros sejam em coreano, com igual sucesso pelo mundo.

“A língua portuguesa, apesar de ser falada por uma quantidade gigante de gente (são 260 milhões de pessoas, segundo o Instituto Camões), especialmente no Hemisfério Sul, não tem circulação global . Ela é restrita à comunidade lusófona”, pontua.

Ele lembra, porém, que já furamos esse bloqueio antes. “Houve dois momentos em que artistas da periferia conseguiram influir de forma muito rápida no que se produzia no mainstream global: isso acontece com a bossa nova e com o Bob Marley. Só que, no caso da bossa nova, a gente está falando de uma indústria ainda muito incipiente, de um mercado musical em língua portuguesa, sem uma força de distribuição, sem força tecnológica e que influencia o jazz. No caso do Bob Marley, boa parte dos primeiros discos são produzidos também na Inglaterra, contam com tecnologia inglesa, e, mais importante que tudo, as letras são em língua inglesa”, compara.

Rafael Lazarini acredita que existem vários gêneros musicais brasileiros que têm potencial para desenvolver o soft power brasileiro globalmente, como o samba, a bossa nova, a MPB, o axé e o funk. “Esses estilos têm um grande apelo internacional por sua riqueza musical e cultural, bem como por sua diversidade e versatilidade. Além disso, a música brasileira é frequentemente associada a uma imagem positiva e vibrante do país, o que pode contribuir para o fortalecimento da sua marca e atrair investimentos e turistas”, defende o fundador do Rio2C

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