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Panorama dos eventos musicais brasileiros vive realidades paralelas e plurais no pós-pandemia: de um lado, a euforia dos grandes; de outro, a falta de apoio para os independentes

por_ Eduardo Lemos de_Londres

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Panorama dos eventos musicais brasileiros vive realidades paralelas e plurais no pós-pandemia: de um lado, a euforia dos grandes; de outro, a falta de apoio para os independentes

por_ Eduardo Lemos de_Londres

Até março de 2020, participar de um festival de música era um sonho para milhões de profissionais da música, uma meta para milhares de artistas e o ganha-pão de centenas de trabalhadores. Mas a pandemia cancelou tudo. É só agora, em 2023, que o mercado começa a entender onde está pisando.

Em 2018, uma pesquisa da DATA SIM e da Sympla mapeou quase 2 mil festivais no país. Não há números atualizados, mas sabe-se que a pandemia tirou de cena muitos festivais nacionais, enquanto outros chegaram ao mercado. O ano de 2023 deverá dar sinais mais concretos do que vem por aí para um mercado que, em 2016, foi responsável por cerca de 2,64% do PIB brasileiro, gerou 1 milhão de empregos formais e respondeu por 9,1% na taxa média anual de crescimento no período 2012/2016, segundo o Plano de Economia da Música.

"O principal desafio para os festivais neste ano continua sendo o econômico. Mas acho que eles têm o grande desafio de se diferenciar na experiência e no lineup diante de tantos eventos ocorrendo no país", diz Juli Baldi, diretora criativa da plataforma Mapa dos Festivais.

foto_ divulgação

Marcelo Beraldo: olhar otimista sobre o panorama atual

Eventos de grande porte estão consolidados no mercado. Os ingressos da edição 2022 do Rock in Rio, por exemplo, se esgotaram em poucas horas. A confiança no mercado é tanta que a marca carioca até abriu a sua "filial" em São Paulo, o The Town, que estreia na cidade em setembro com shows de Foo Fighters, Criolo e Bruno Mars.

Festivais históricos, como Planeta Atlântida (RS) e Festival de Verão de Salvador (BA), voltaram à atividade neste início de 2023 com boa presença de público e forte atenção da mídia, após dois anos sem conseguirem realizar edições por conta das restrições causadas pela pandemia. No interior de São Paulo, o Forró da Lua Cheia chegou aos 30 anos, e o João Rock faz em junho uma edição comemorativa de seus 20 anos.

Nascidos há uma década, e em processo de consolidação, há o Sarará (MG), que acontece em agosto, e o Rock The Mountain (RJ), que anunciou line-up só com artistas mulheres para a edição comemorativa de 10 anos, em novembro. Festivais recém-criados, como o GRLS! (SP - 2ª edição), Spanta (RJ - 3ª edição) e MITA (SP - 2ª edição), compensam a pouca idade com line-ups ousados e forte presença digital.

Nada mal para um mercado que, há 3 anos, viu a pandemia cancelar seus planos por tempo indeterminado e deixar em rota de incerteza milhares de trabalhadores.

"O mercado brasileiro de cultura e entretenimento ao vivo está numa crescente, principalmente no segmento de festivais. Uma maior quantidade deles, muitas vezes em regiões onde antes não havia nada, além de novos formatos, acabam trazendo novos fãs e novos patrocinadores. A demanda por talentos também aumenta", destaca Marcelo Beraldo, diretor de conteúdo, tours e festivais na T4F, produtora responsável por eventos como Popload, GRLS! e Primavera Sound.

Festivais em grandes capitais sentiram (a crise), mas quem levanta um festival no interior do Brasil sentiu muito mais.

Julia Baldi, criadora do Mapa dos Festivais

O aumento da demanda, no entanto, também cria seus desafios. "Para qualquer festival, conseguir atrair os maiores talentos, as melhores bandas e os melhores artistas é o principal. A oferta de novos talentos não tem acompanhado o aumento na demanda por festivais, portanto a disputa pelos grandes nomes aumenta, e os cachês disparam. É uma concorrência muito forte para ver quem terá o melhor headliner", adiciona Beraldo.

A retomada que ainda não terminou

O ano de 2022 trouxe um pouco de alívio para o mercado, com a tão esperada volta dos eventos presenciais. Mas também escancarou os problemas que seguem afetando os produtores neste ano, de acordo com Juli Baldi, diretora criativa da plataforma Mapa dos Festivais.

"O ano passado foi a volta do sonho de vida, do projeto, do emprego de muita gente. Mas não foi fácil. 2022 foi o ano que a indústria teve para ajeitar as melancias no caminhão. Os festivais tiveram que enfrentar o aumento do preço de passagens, equipamentos e profissionais. Sem contar a falta de profissionais necessários para erguer um festival, pois, durante a pandemia, muitos foram procurar outros empregos ou se mudaram de cidade. Festivais em grandes capitais sentiram tudo isso, mas quem levanta um festival no interior do Brasil sentiu muito mais.”

Uma notícia positiva, de acordo com Baldi, é que nunca houve tanta marca interessada em se associar a festivais. "Elas estão mais interessadas do que nunca. O boom de muitos eventos e o público sedento por eles fizeram marcas que nunca haviam pensado em patrocinar um evento cogitar isso", explica.

De fato, o caminho para a recuperação tem sido menos acidentado para os festivais que contam com apoios e patrocínios, o que não é a realidade de todo o mercado brasileiro, destaca Ana Morena Tavares, presidente da Abrafin (Associação Brasileira dos Festivais Independentes):

Em 2022, tivemos uma volta forte dos festivais que têm muitas marcas por trás, mas aqueles com foco mais na localidade estão com dificuldade.

Ana Morena Tavares, presidente da Abrafin

"Em 2022, tivemos uma volta forte dos festivais que têm muitas marcas por trás, mas aqueles com foco mais na localidade estão com dificuldade de retomarem as atividades e conseguirem estar no mercado de forma mais sólida.”

Segundo Tavares, a Abrafin - que hoje soma mais de 130 festivais associados - apresentará no próximo semestre um relatório detalhado sobre o mercado, levando em conta os dados de 2022.

O festival Mineiro Sarará começou em 2014 tendo apenas um headliner, Criolo, e público estimado em 4 mil pessoas. Quase uma década depois, o evento espera atrair 40 mil pessoas para a edição deste ano, que terá Marisa Monte, Timbalada e Rubel, entre outros.

Bell Magalhães, idealizadora e diretora executiva do festival, celebra a diversificação do mercado nos últimos dez anos.

"Surgiram muitos festivais novos nesse período, a oferta aumentou, e a demanda vem correspondendo. Uma grande evolução foi a saída da rota Rio/SP, hoje a gente tem festivais incríveis e super-relevantes em todo Brasil", observa.

Por outro lado, diz ela, "o que ainda não aconteceu foi vermos as marcas acompanharem essa nova rota, chegando junto com patrocínio nesse vasto e incrível circuito fora do eixo".

Foco na representatividade e busca por sustentabilidade

Em janeiro, o festival carioca Rock The Mountain anunciou um line-up 100% feminino para a edição deste ano, com nomes como Maria Bethânia, Marisa Monte, Jup do Bairro, Marina Sena, Iza, Daniela Mercury e Paula Toller, entre outras. A curadoria foi feita em conjunto com o WME (Women's Music Event).

"A cada ano, vínhamos aumentando a participação feminina no festival, dando a elas mais protagonismo, tanto nos palcos quanto na hierarquia do line-up. Para a edição de 2023, já tínhamos definido colocar somente mulheres em todos os palcos. Quando conseguimos fechar Marisa Monte, Maria Bethânia e IZA, tivemos ainda mais essa certeza”, conta Ricardo Brautigam, sócio-criador do festival.

Juliana Baldi, do Mapa dos Festivais, diz que essa preocupação vem se estendendo cada vez mais. E se soma a outras.

”Sempre falamos no Mapa que acreditamos que os festivais precisam ser: sustentáveis, acessíveis, com diversidade de gênero, raça e regiões do país. Não é nada fácil produzir um evento com tudo isso, mas acreditamos que esse é o papel social que um festival precisa ter", adiciona Juli Baldi.

Com a pauta ambiental onipresente nas discussões mundo afora, os festivais também tentam se adequar às demandas ecológicas. Há poucas semanas, o festival de música eletrônica Piknik trocou o Jardim Botânico de São Paulo pelo Parque Ibirapuera depois de uma série de críticas devido ao impacto ambiental no local, que é uma área de preservação ambiental. "Ainda temos muito que evoluir na questão da sustentabilidade. Em 2023 esse é um ponto que queremos aprofundar mais e trazer novidades", reconhece Magalhães, do Sarará.

Segundo Brautigan, do Rock The Mountain, o festival carioca tem conseguido avançar. "Somos um festival que não tem fogos, por causa de animais e pessoas sensíveis a ruídos, também somos carbono neutro e estamos rumando para ser lixo zero.”

Quem corrobora é Bell Magalhães, do Sarará:

"Temos no nosso DNA ser um festival majoritariamente feminino, desde as duas mulheres que idealizaram aos cargos de liderança (que são 90% femininos), o line-up sempre preocupado com a equidade. Além disso, temos um núcleo dedicado à responsabilidade social, que trabalha acessibilidade, redução de danos, representatividade negra e da população trans, além do acesso às comunidades de baixa renda.”

Julia Baldi

Julia Baldi

Perguntas do Milhão

Como está o Brasil em comparação à Europa e aos EUA? O que temos ainda a 'aprender' com os gringos, e o que já podemos 'ensinar'?

JULI BALDI: O Brasil tem a maior vantagem de todas se o compararmos com EUA e Europa, aqui temos festival de janeiro a janeiro, em todas as partes do país. Só no Mapa dos Festivais temos mais de 350 eventos cadastrados, e 190 deles ocorreram em 2022. Para 2023 já temos mais de 50 festivais com datas anunciadas. Na Europa e em alguns lugares dos EUA, os festivais se concentram mais no verão. Acho que eles é que podem aprender muito com os festivais independentes brasileiros. O que Coquetel Molotov em Recife faz, Se Rasgum em Belém, Rock the Mountain no Rio…

MARCELO BERALDO:Por um lado, o Brasil está defasado em relação à Europa ou aos EUA. Por outro, vejo o Brasil até superando em algumas questões como, por exemplo, as ativações de marcas, que são, muitas vezes, mais sofisticadas. Se olharmos para o Carnaval, feiras agropecuárias e festas regionais, também temos uma variedade muito maior, sem falar em muita criatividade envolvida. Perdemos em escala, eficiência de custos, estrutura tributária e legal e, principalmente, numa cultura e educação que fomentem o desenvolvimento de novos talentos. Mas talvez o mais importante tem no Brasil, o DNA do entusiasmo, a vontade de festejar e celebrar a vida entre amigos.

Uma crítica que, volta e meia, aparece na imprensa e nas redes sociais é a repetição de artistas nos line-ups dos festivais. Como tornar os festivais mais abertos a outros nomes?

JULI BALDI: Acho que é uma crítica mais interna, só quem trabalha diretamente com isso percebe que tem muito artista igual nos lines. Para o público, não vejo um grande problema a repetição, porque muitas vezes os artistas só conseguem chegar em determinadas regiões através dos festivais. A repetição também tem seu lado bom. Se o artista está tocando em muito festival, quer dizer que ele tem talento, é competente, vende ingresso... É uma conquista muito importante e um mecanismo que ajuda a indústria a revelar grandes nomes. Acho que essa crítica sempre vai existir, pois o artista médio ou emergente sempre vai reclamar que não foi chamado enquanto outro artista está em todos. O festival também precisa pagar as contas e vender ingresso.

BELL MAGALHÃES: Depois da pandemia, esse desafio aumentou. 2023 tem sido o ano mais difícil para essa construção: estamos quebrando a cabeça para conseguir um line de peso, com encontros épicos, sem ter a sensação de que todos festivais têm o mesmo line-up. É mesmo um grande desafio, mas acredito que a gente tem conseguido surpreender nesse sentido. Tivemos um ótimo retorno do público com o lançamento da primeira leva de nomes: vimos muitas pessoas surpresas e interessadas pela mistura que estamos criando!

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