por_ Gilberto Porcidonio • do_Rio
Margareth Menezes é só a quarta mulher à frente do Ministério da Cultura (MinC), nestes 38 anos de uma acidentada trajetória da pasta criada por decreto do ex-presidente José Sarney em março de 1985. O mais simbólico: é a primeira negra, cantora e compositora. Esta artista baiana de 60 anos, associada da UBC, será a responsável pelas políticas públicas de um setor que movimenta nada menos que 3% do PIB brasileiro e gestionará o maior orçamento da história do órgão: R$ 10 bilhões para 2023. A música, tudo leva a crer, deverá ocupar um dos pilares de sua atuação.
Marcelo Damaso, do festival Se Rasgum, de Belém
Mas não só. Ao lado dessa arte, o teatro, a dança, a performance, o cinema, as artes plásticas e visuais e a troca de ideias, entre outras manifestações, estarão no centro do debate — e prova disso é sua presença protagonista no primeiro grande edital da nova gestão, o de patrocínio do Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB), lançado em parceria entre o BB e o MinC. Esta chamada destinará R$150 milhões aos projetos selecionados até 2025. As inscrições terminaram no último dia 3 de março, e o resultado será anunciado em julho.
Um ponto bem destacado no novo edital — e que, a depender das sinalizações do novo ministério, será presença constante em todos os demais — é a atribuição de melhores pontuações a projetos voltados para a inclusão e a acessibilidade. Entre os temas que ganham nova luz estão as identidades, as origens e as ancestralidades. Um caminho que alegra os ouvidos de quem trabalha com música.
O audiovisual é um setor muito mais organizado, que tem o seu próprio fundo no ministério, e a música precisa caminhar nessa direção.”
Por mais organização do setor musical
Uma das cabeças pensantes do festival baiano Radioca, a produtora cultural Carol Morena conta que o evento tem como cerne a diversidade musical desde que começou, em 2015. Ela diz esperar um maior diálogo com o ministério, sob Margareth, além da consolidação de mecanismos de incentivo à cultura voltados para a música e os festivais, um meio substancial de toda a cadeia produtiva do nosso setor.
Carol Morena
“A gente não tem, na verdade, uma representação do setor da música na Funarte, e estamos na maior expectativa de que isso aconteça. O audiovisual, por exemplo, é um setor muito mais organizado dentro do ministério, que tem o seu próprio fundo lá, e a música também precisa caminhar nessa direção”, diz Carol, para quem o diálogo apenas com o universo privado ainda não é o ideal: “O nosso festival precisa muito do incentivo público, porque a gente entende que trabalha com o fomento da música e dos novos artistas, na formação de plateia... É um projeto de base mesmo, de formação, e o setor privado não entende isso como prioridade.”
Outras sinalizações feitas pela nova gestão, relacionadas à descentralização de recursos, também animam gente como a produtora cultural. Seu evento é em Salvador, uma cidade que, se não pode ser considerada periférica do ponto de vista cultural, tampouco recebe a mesma atenção em editais privados que a destinada a São Paulo, por exemplo. “Dialogar com empresas por aqui não é tão fácil porque muitas delas nem mesmo estão aqui.”
As leis que viabilizam a realização de eventos culturais com isenção fiscal no Imposto de Renda para as empresas que investem, como a Lei Rouanet, deverão avançar em descentralização. Já era hora. De acordo com uma pesquisa divulgada pela Confederação Nacional dos Municípios em 2018, 80% dos valores captados por meio dessa normativa terminaram nas mãos de agentes culturais da Região Sudeste do Brasil.
A descentralização é uma das reivindicações do setor que, neste ano, estão ficando cada vez mais fortes. Em Belém, o curador e produtor cultural Marcelo Damaso é um dos organizadores do festival Se Rasgum, que, além de propagar a musicalidade da Região Norte desde 2006, também tem chegado a outras cidades graças à lei de incentivo.
“Nós conseguimos ir para o Rio, também pelo edital da Funarte, e fazer muitas outras coisas aqui na região, como as seletivas, além de ampliar nossa atuação para a região da Amazônia Legal, algo que decidimos fazer durante a pandemia. Para a música, não só a paraense, (uma nova visão descentralizada e que acolha a pluralidade brasileira) só ajuda a fortalecer”, afirma Damaso, “Já fizemos muito pela música paraense, mas entendemos que existe muita coisa do nosso lado que não estamos vendo. Agora a gente entende a Amazônia Legal como uma coisa só.”
Comunidade mais presente
Outra das bandeiras já levantadas por Margareth que vêm reverberando bem entre quem produz arte tem a ver com a participação da sociedade na decisão sobre como aplicar recursos públicos. Ainda sem data de publicação, um futuro decreto com novas regras sobre leis de incentivo baseadas em renúncia fiscal deverá refletir a diversidade brasileira em todos os seus aspectos, e a expectativa é que traga mecanismos para que a sociedade seja chamada a opinar continuamente sobre a alocação dos recursos.
“Estamos trabalhando para que a cultura volte a ser um grande motor de desenvolvimento social, humano e econômico do país. Estamos recolocando a estrutura de pé, com a instalação das secretarias, do quadro funcional e da capacidade administrativa, algo que havia sido perdido com o rebaixamento do MinC e o desmonte dos últimos anos”, destacou a ministra, mês passado, durante um café da manhã com a imprensa.
Nas redes sociais do Minc, a ministra também confirmou a liberação de 1,8 mil projetos que já tinham sido captados e aprovados pela Lei Rouanet, mas que estavam bloqueados. Um montante de R$ 1 bilhão já foi liberado no fim de janeiro, e cinco mil projetos tiveram autorizada a prorrogação da sua captação.
Fontes variadas do ministério têm insistido que um eixo importante de atuação será no combate à desinformação. Um dos primeiros alvos é a demonização das leis de incentivo promovida por amplos setores da sociedade e até da cultura, nos últimos anos. Fake news sobre um suposto custo público altíssimo com a renúncia fiscal da Lei Rouanet para beneficiar projetos culturais já vêm sendo desmentidas. Em publicações nas redes, o MinC informa que a perda de arrecadação federal decorrente da aplicação dessa normativa representa menos de 0,5% do total das renúncias fiscais da União.
Estamos recolocando a estrutura de pé, com a instalação das secretarias, do quadro funcional e da capacidade administrativa.”
“Explicando melhor: se o governo federal abriu mão de receber R$ 100 em impostos, só 45 centavos seriam pagos por patrocinadores da Lei Rouanet”, assegura a publicação.
Outra postagem evoca uma velha crítica sobre a lei só beneficiar os grandes artistas. “Atualmente, há 7.490 projetos incentivados pela Lei Rouanet em andamento. Desses, 5.725 são de até R$ 700 mil”, diz a publicação. A ideia da pasta é destacar a capilaridade e o caráter pequeno ou médio da grande maioria dos projetos.
Os gastos da lei podem ser checados no portal Versalic (http://versalic.cultura.gov.br), assim como o nome dos responsáveis, a lista de incentivadores, os objetivos de cada projeto e as contrapartidas à sociedade que eles precisam ter. •