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EM 6 ANOS,

NÚMERO DE ASSOCIADAS À UBC CRESCE 151%

Edição 2023 do relatório Por Elas Que Fazem a Música mostra tímidos avanços e longo trabalho pela frente na busca pela equidade de gênero

Em texto exclusivo, Tulipa Ruiz fala de sua experiência como mulher criadora

do_ Rio

Edição 2023 do relatório Por Elas Que Fazem a Música mostra tímidos avanços e longo trabalho pela frente na busca pela equidade de gênero
Em texto exclusivo, Tulipa Ruiz fala de sua experiência como mulher criadora

por_ Alessandro Soler do_ Rio

O relatório anual Por Elas Que Fazem a Música 2023, que a UBC apresentou no último Dia Internacional da Mulher, lança mais uma vez um detalhado olhar sobre a participação feminina na indústria a partir de dados da nossa associação. Desde a primeira edição, de 2018 (com dados de 2017), o crescimento no total de filiadas foi de 151%, refletindo nossa campanha permanente por uma maior presença delas na cadeia produtiva musical. Por outro lado, houve estagnação no percentual feminino sobre o bolo total de distribuição de direitos autorais, com apenas 10%, o que dá uma dimensão do tamanho do desafio que temos à frente na busca por equidad

Tulipa Ruiz
foto_ Nino Andres Biasizzo

Tulipa Ruiz: transformação pessoal para entender o papel da mulher no mercado

Convidamos Tulipa Ruiz a refletir sobre o que é ser uma compositora num meio ainda machista como é a indústria musical — e que impõe a elas um teto de cristal quando se trata de determinadas funções criadoras. Confira a seguir. E, no site da UBC, veja mais detalhes da pesquisa e o relatório na íntegra.

MULHER, LETRA E MÚSICA

por_ Tulipa Ruiz de_ São Paulo

Eu me tornei cantora porque comecei a compor. A composição me deu voz e me instigou a verbalizar a minha música. Os discos ouvidos na infância e adolescência também me inspiraram a fazer música, e a maioria desses discos tinha vozes de mulheres. Primeiro, mergulhei no universo das intérpretes. Gal Costa, Ná Ozetti, Zezé Motta. Depois, passei a me interessar pelos encartes, projetos gráficos e fichas técnicas de cada disco. Entendi que muitas intérpretes que eu amava também compunham, como Rita Lee e Sueli Costa. Além de cantar e compor, muitas eram instrumentistas, como Joyce, Joan Baez, Cida Moreira, Marina. Tinha também quem, além de cantar, compor e tocar, desenhava as capas de seus discos, como Joni Mitchell. Cresci inspirada pelas habilidades extraordinárias e autorais dessas mulheres todas.

Quando lancei meu primeiro disco, “Efêmera”, em 2010, passei a fazer parte dos line-ups de festivais de música, ocupados majoritariamente por homens. Achava legal ser a única mina do rolê, e demorou um pouco para isso começar a doer em mim. É recente em nós, mulheres, a percepção gritante do silenciamento de gênero. Então, eu participava desses festivais todos junto com os caras e era pouco chamada para as poucas ações que aconteciam no mercado da música com protagonismo feminino.

SER A ÚNICA MULHER DENTRO DE UM FESTIVAL NÃO É LEGAL. É UM ESCÂNDALO. E SABE QUEM ME CONTOU ISSO? O FEMINISMO.

A maioria dessas ações eram mostras de cantoras e ficavam, em geral, todas concentradas no mês de março, por conta do dia 8, conhecido como Dia da Mulher e que só agora, em 2023, estamos aprendendo coletivamente a chamar de Dia Internacional da Luta pelos Direitos das Mulheres. O Brasil é um país respeitadíssimo por suas intérpretes atemporais e maravilhosas, mas que não reconhece suas autoras. Acredito que, por conta disso, os shows que prospectavam a presença da mulher definiam que nossa participação se resumia na palavra cantora. Isso me incomodava. Ficava mais à vontade nos grandes line-ups estrelados pelas bandas masculinas porque os caras tocavam, compunham, solavam, produziam.

A pluralidade do fazer musical deles traduzia meu jeito de pensar e criar música. Não queria fazer parte de um cenário onde me catalogavam como cantora apenas, o que era muito limitante. Mas o que eu não percebia na época é que a pluralidade musical dos boys sempre teve a ver com o privilégio de uma sociedade patriarcal que concede espaços apenas aos homens.

Ser a única mulher dentro de um festival não é legal. É um escândalo. E sabe quem me contou isso? O feminismo. Esse movimento social fundamental no contemporâneo, que reivindica igualdade e equidade. O feminismo é uma ferramenta muito importante para a gente decupar todas essas opressões, das antigas às mais recentes. Esse debate nos dá voz. Estamos falando, denunciando, expondo, depois de tanto silenciamento. Por conta disso, estamos compondo mais e nos tornamos cada vez mais numerosas dentro do mercado da música.

Em 2018, fiz uma música para Elza Soares chamada “Banho”, que ela gravou magistralmente em seu disco “Deus é Mulher”. Na época, a imprensa comunicou a canção como “letra” de Tulipa Ruiz. Se fosse uma canção do Chico ou do João ou do Zeca, não diriam “letra”, e sim “música”, que contempla tudo. Não tenho parceiros em “Banho”, então por que a imprensa comunicou “letra de Tulipa Ruiz”, e não “música”?

( ) Porque o Brasil não reconhece suas autoras;

( ) Porque a indústria fonográfica silencia mulheres;

( ) Porque o mercado é dominado e definido pelos homens;

( ) Todas as alternativas acima.

O debate sobre as desigualdades e apagamentos é urgente para transformarmos este cenário. Para discutirmos ações e políticas públicas em prol da igualdade de gênero no mercado fonográfico é fundamental a análise de dados sobre a participação da mulher na indústria. Um exemplo pioneiro de ponto de partida para nutrir este debate é o relatório da UBC que, desde 2018, publica um levantamento de informações sobre a nossa presença no mercado, tendo como referência sua base de dados. Os números divulgados pela associação revelam nossos avanços, evidenciam a disparidade de gênero na indústria da musica e têm pautado muitas discussões recentes sobre o tema.

Atualmente, a arrecadação autoral das mulheres representa apenas 10% da arrecadação total da UBC. Esse percentual, apesar de pequeno, cresceu desde a primeira vez que vi o relatório. Lentamente, estamos avançando. Mapear e celebrar a nossa participação na música estimula este avanço.

O BRASIL É UM PAÍS RESPEITADÍSSIMO POR SUAS INTÉRPRETES ATEMPORAIS E MARAVILHOSAS, MAS QUE NÃO RECONHECE SUAS AUTORAS.

Do ano passado para cá, houve um aumento no cadastro de fonogramas tendo mulheres como produtoras fonográficas. A divulgação de um dado como esse é essencial para potencializar nosso protagonismo e legitimar a nossa batalha por espaços mais democráticos dentro do “game” da música.

No Brasil, a falta de dados sobre a nossa população em geral contribui para o aumento da desigualdade social e a escassez de políticas públicas para grupos vulneráveis. O Censo Demográfico não coleta informações sobre identidade de gênero. Como vamos discutir políticas públicas para a comunidade LGBTQIA+ se essas pessoas são ignoradas pelo Censo?

Para que as oportunidades sejam justas, a coleta de informações que mapeiem as nossas existências e atuações, considerando nossa diversidade, é imprescindível.

A análise dos dados sobre a participação da mulher na música é super-recente. Que levantamentos como esse da UBC levem e elevem a discussão para todo o território nacional. Para pensarmos na indústria como um todo e para todes. E que essa coleta de dados seja cada vez mais cirúrgica no recorte das informações. Qual foi a arrecadação, considerando mulheres e homens, de artistas trans no último ano, por exemplo? Se afunilarmos ainda mais a pesquisa, os números serão ainda mais assustadores. Isso vai nos trazer uma compreensão gigantesca do mercado e uma busca por transformação na mesma intensidade.

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