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O MULTIMILIONÁRIO MERCADO DO

GOSPEL

Segmento abarcaria 20% do mercado fonográfico nacional, segundo estimativa, e continua a crescer.

por_ Ricardo Silva de_ São Paulo
Clóvis
foto_ divulgação
Clóvis, autor de “Ninguém Explica Deus”, faixa gospel mais bem-sucedida no YouTube

Segmento abarcaria 20% do mercado fonográfico nacional, segundo estimativa, e continua a crescer.

por_ Ricardo Silva de_ São Paulo

O gospel já tem uma fatia de 20% do mercado fonográfico brasileiro, estima a Abrepe (Associação Brasileira de Empresas e Profissionais Evangélicos) — e não há indícios de que ficará por aí. Isto se traduz em mais de R$ 400 milhões gerados só em 2021, se levarmos em conta o total da música gravada no país apurado pela Pro-Música, a associação dos produtores fonográficos nacionais.

Clóvis
foto_ divulgação
Clóvis, autor de “Ninguém Explica Deus”, faixa gospel mais bem-sucedida no YouTube

É um segmento chave para o streaming, rádios e eventos – sobretudo religiosos. Mas ainda enfrenta dois desafios importantes: terminar de furar a “bolha” das igrejas, normalizando-se de vez entre todos os públicos; e conseguir que os seus talentosos músicos e criadores sejam “aceitos” entre seus pares seculares. Duas mudanças que, no que depender dos artistas que militam neste universo, estão a caminho de acontecer.

“Houve vários momentos em que essa bolha já foi furada, na verdade. Nosso disco 'Depois da Guerra', mesmo, chegou a ter várias faixas entre as mais tocadas nas FMs do Recife, uma cidade que consome muito rock 'n' roll. E temos muitos exemplos de artistas cristãos que têm músicas com versões pelas mãos e vozes de cantores seculares. Mas a música cristã no Brasil ainda é rotulada. E, às vezes, pelos nossos próprios colegas músicos. Se eu digo que acredito em Jesus, quase que já deixo a categoria de 'músico normal'”, diz Jean Carllos, um dos membros do atual trio de metal cristão Oficina G3.

Nascido quinteto há 35 anos, o grupo teve várias formações, além de colecionar hits e prêmios, entre eles o Grammy Latino de melhor álbum cristão para “Depois da Guerra”, em 2009. Sua trajetória dentro do gospel é um exemplo bem acabado da evolução do próprio segmento. No final dos anos 1980, uma banda de rock que tocasse música cristã era considerada por uma grande parte dos fiéis "coisa do capeta", como descreve Jean Carllos:

“Sofremos muito no começo. Mas as coisas começaram a se mover cada vez mais de fora da igreja para dentro, o gospel começou a mexer com mais e mais pessoas, virou um instrumento para a propagação da palavra de Deus entre os jovens. Foi uma grande e importante mudança.”

Como Juninho Afram, único membro-fundador, ele mora nos Estados Unidos. E compara as cenas do gospel nos dois mercados:

“Aqui (nos EUA) você vê um montão de prêmios que juntam músicos cristãos e os ditos seculares, artistas cristãos tocando em FMs normais... É claro que também tem rádio gospel, mas não se vê uma diferenciação tão acentuada como no Brasil.”

Para tentar diminuir essa separação, cada vez mais artistas cristãos têm investido em parcerias com nomes do chamado mundo “secular” (não religioso) — e entram aí nomes variadíssimos, de Claudia Leitte e Fernando & Sorocaba, a Harmonia do Samba e Wesley Safadão. Compositores do segmento também vêm criando canções de caráter ecumênico, que falam de espiritualidade e transmitem mensagens sobre a filosofia cristã sem necessariamente explorar todos os códigos ligados ao gospel.

É o caso de Clóvis, cuja faixa “Ninguém Explica Deus” é considerada a mais bem-sucedida da música cristã brasileira no YouTube, com mais de 800 milhões de visualizações nos vários vídeos em que aparece.

"Na letra, eu também incluo os ateus, os que não têm religião, os que têm outra religião não cristã... Digo 'do crente ao ateu, ninguém explica Deus.' Porque é isso: qualquer um de nós, independentemente do seu credo ou das suas práticas pessoais, pode alcançar o divino. E ninguém é capaz de entendê-lo totalmente. Acho que consegui pegar quem está fora das igrejas também, e a coisa é bem essa: é importante unir, e não separar", afirma Clóvis.

AspasTEMOS EXCELENTÍSSIMOS MÚSICOS, ALGUNS DOS MELHORES QUE TOCAM COM MÚSICOS DITOS SECULARES VÊM DO GOSPEL.”

Jean Carllos, membro da banda Oficina G3
Aspas

TEMOS EXCELENTÍSSIMOS MÚSICOS, ALGUNS DOS MELHORES QUE TOCAM COM MÚSICOS DITOS SECULARES VÊM DO GOSPEL.”

Jean Carllos, membro da banda Oficina G3
Ana Paula Valadão
foto_ divulgação
Ana Paula Valadão, líder do grupo Diante do Trono, um dos principais do gênero

Para o artista baiano radicado em São Paulo, o crescimento acelerado do gospel nas últimas décadas nada mais é que o reflexo do salto espetacular no número de pessoas crentes no Brasil, um país historicamente religioso e que já tem 70 milhões de evangélicos, ou 30% da população. “A música cristã se expande porque a religião também se expande”, resume Clóvis, que antevê a continuidade desse movimento.

Números da Deezer, de fato, mostram que o pioneiro canal evangélico da plataforma é o terceiro mais popular, atrás apenas do sertanejo e do funk. Mas o público da música cristã, com o perdão do trocadilho, é mais fiel. Um levantamento recente desse serviço de streaming revelou que as playlists do segmento têm 54% mais de tempo de audição do que as dos demais.

Em 2020, o salto durante a pandemia foi espetacular. Na onda da busca por música mais contemplativa, espiritualizada e positiva, que amainasse o baixo-astral geral do confinamento, o grupo Diante do Trono, da cantora Ana Paula Valadão, um dos principais nomes do gospel no país, teve 23% mais audições em apenas um trimestre, liderando o ranking da música cristã na Deezer.

“É uma honra celebrar tudo o que temos conquistado na música cristã”, comemorou, na época, Lincoln Baena, que ocupa um cargo bastante autoexplicativo sobre a importância desse segmento para a plataforma: editor de gospel para Brasil e América Latina.

Autora do livro “A Explosão Gospel”, a jornalista e pesquisadora musical Magali Cunha descreveu na obra um processo de crescimento exponencial desde os anos 1980, com um ponto de partida claro. “A Igreja Renascer em Cristo foi vanguardista neste movimento de expansão da música religiosa para além do culto, ganhando uma feição cristã moderna e contemporânea. A explosão veio já nos anos 1990/2000, quando os artistas ganharam status de celebridades”, ela disse.

A origem nos cultos, aliás, é o que, para Jean Carllos, explica um ainda persistente olhar torto de certa intelectualidade ou de um público musical supostamente exigente.

“Mas a verdade é que uma parte da música cristã foi menosprezada por ter mesmo baixa qualidade. Tem dois objetivos para a música cristã: a adoração, em que não se tem preocupação com arranjos, solos, porque o objetivo é o sujeito entrar na igreja, cantar, esquecer dos problemas e ter um momento pessoal com Deus; e a evangelização, concebida e composta com todos os elementos de estrutura, frases musicais e, por que não?, virtuosismo que os criadores buscamos e desejamos ter. Temos excelentíssimos músicos, alguns dos melhores que tocam com artistas ditos seculares vêm da música cristã”, analisa o cantor e compositor, para quem a abertura do mercado musical para conhecer essa multidão de talentos é um caminho sem volta.

Sem volta porque, talvez, muitos dos que o percorrem são movidos por uma forte ideia de busca de um propósito maior.

“Não há diferença nenhuma entre compor canção gospel ou secular, se falamos essencialmente de música: os caminhos melódicos e harmônicos são semelhantes. Os códigos da música são os mesmos”, define Clóvis. “Mas, quando você escreve pensando numa mensagem que possa despertar e falar diretamente com o espírito das pessoas, com a alma delas, acho que naturalmente isso vai gerando um comprometimento maior. Deixa de ser uma música, um serviço musical focado apenas no capital e na sua realização pessoal, e passa a ser uma missão vocacional. É assim que eu me sinto um pouco.”

A banda Oficina G3 foi testemunha e protagonista de uma enorme transformação nestas últimas décadas. "No início não tinha cachê, o que era estranho. Os pastores ganham para pastorear uma igreja. Por que o músico e a banda não ganhariam para fazer um evento, muitas vezes bilhetado?”, indaga Jean Carllos. A aceitação dos jovens roqueiros que cantavam Jesus ocorreu pouco a pouco, mas deu passagem a uma trajetória de sucessos e prêmios ao longo dos anos 1990 e 2000. O muito tempo de estrada e as crises entre os integrantes os levaram a tomar uma decisão radical: um período sabático separados, em 2017. “Precisávamos parar naquele momento.” Mais à frente, no seguinte trecho, tá repetindo estrada muito perto. Melhor assim: Depois de 30 anos, a gente sabe que a estrada machuca e deixa marcas na gente e nas famílias. Estamos em um momento diferente, acreditamos que é importante fazer coisas paralelas, mas sem esquecer do nosso grande ministério, o Oficina G3”, explica o artista, para quem, sem pressa e desfrutando de cada passo, a banda deve gravar coisas novas e fazer novas turnês.

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AspasÉ MARAVILHOSO A UBC PROPORCIONAR ESSA COROAÇÃO À NOSSA RAINHA.”

Lucas Estrela, músico e compositor
Ana Paula Valadão
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Ana Paula Valadão, líder do grupo Diante do Trono, um dos principais do gênero
banda Oficina G3
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A banda Oficina G3: retorno depois de um período sabático
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