Como o acaso fez quatro amigos de infância criarem uma das bandas mais comentadas da nova cena pop, que acaba de ganhar o Grammy Latino com pouco mais de um ano de existência
por_ Chris Fuscaldo • do_ RioEles eram amigos desde o colégio. Todos amavam a música. Todos compartilhavam referências estéticas. Mas foi a Covid-19 que selou seu destino comum. O Bala Desejo, encontro feliz entre Dora Morelenbaum, Julia Mestre, Lucas Nunes e Zé Ibarra, nasceu como banda há pouco mais de um ano, quando seus quatro integrantes, em trajetórias musicais paralelas, decidiram estar juntos numa mesma casa, enquanto todos nos confinávamos no período mais duro da pandemia.
A convivência naquele apartamento dos pais de Julia, em Copacabana, no Rio, gerou muito barulho: em novembro, a banda levou o Grammy Latino de melhor álbum de pop contemporâneo em português com “Sim Sim Sim”. Lucas e Zé Ibarra conversaram com a Revista e contaram como se desenrolou, e continua a se desenrolar, essa história.
Como foi esse encontro musical entre vocês, que já eram amigos?
LUCAS NUNES: A ideia do Bala surgiu por outras pessoas. A gente decidiu se isolar junto na pandemia. Participamos de algumas lives da Teresa Cristina como artistas individuais, e, logo depois, veio o convite da galera do (festival) Coala, de São Paulo, para fazermos um show juntos em 2021. Foi cancelado, adiado para 2022. Pensamos: por que não aproveitar esse tempo e gravar algumas músicas? O Coala propôs uma parceria para gravarmos logo um disco. Surgiu, então, um álbum 100% de autorais, com músicas novas, sobre o que a gente estava vivendo naquele momento.
VIVÍAMOS NUMA CASA, OUVÍAMOS REFERÊNCIAS NOSSAS, COMO DOCES BÁRBAROS, NOVOS BAIANOS, RITA LEE. TODOS ELES, ENTRE TANTOS OUTROS, INSPIRARAM A GENTE.”
Lucas NunesVIVÍAMOS NUMA CASA, OUVÍAMOS REFERÊNCIAS NOSSAS, COMO DOCES BÁRBAROS, NOVOS BAIANOS, RITA LEE. TODOS ELES, ENTRE TANTOS OUTROS, INSPIRARAM A GENTE.”
Lucas NunesEssa coisa de morar juntos evoca Novos Baianos...
LUCAS NUNES: A gente não tinha a intenção de fazer nada. Bom, Zé e eu queríamos terminar o álbum da Dônica (banda que os dois integram junto com Tom Veloso, Deco Almeida e Miguima Guimarães). Mas, além disso, queríamos estar juntos. A casa da Julia, em Copacabana (Rio de Janeiro), estava vazia. Os pais dela foram viajar, se isolar em outro lugar. Sem pretensão. Depois de tocar juntos na live da Teresa, aí sim veio a banda.
Como definem suas referências estéticas?
ZÉ IBARRA: Referência é uma coisa ampla, né? Mas acho que é tudo o que a gente bota para dentro desde que nasceu. O Bala tem muitas referências que são claras e propositadas. Mas a maioria é uma coisa bem natural, de tudo o que a gente comeu durante a vida e sai espontaneamente da gente. Parte das estruturas, né? São os pilares da nossa formação de caráter, não só musical, de formação da nossa índole completa.
Esteticamente, vocês evocam os Doces Bárbaros. É intencional?
LUCAS NUNES: Não houve essa intenção. Vivíamos numa casa, ouvíamos referências nossas, como Doces Bárbaros, Novos Baianos, Rita Lee. Todos eles, entre tantos todos outros, inspiraram a gente. Foi meio por osmose. Se você enxerga alguma coisa deles, é porque são uma inspiração muito grande nossa, são mestres da música brasileira.
Como foi a produção do álbum? Foi coletiva? Ou cada um fez uma parte?
LUCAS NUNES: Sim, coletiva. Nós quatro somos compositores, produtores e organizadores de tudo o que aconteceu nesse álbum, com a ajuda de muita gente. A gente tinha criações individuais antigas, mas também houve ideias coletivas. Cada um de nós também, às vezes, ia pegando um pedaço de ideia que surgia, pensava sobre aquilo, trazia algo novo. Sempre no intuito de mostrar um para o outro e construir isso juntos.
É UMA LOUCURA, UMA CORRERIA TOTAL, MAS ACHO QUE FAZ BEM, PORQUE NOS TORNA ARTISTAS MÚLTIPLOS, QUE ATUAM DE VÁRIAS MANEIRAS DIFERENTES EM CADA LUGAR.”
Zé IbarraÉ UMA LOUCURA, UMA CORRERIA TOTAL, MAS ACHO QUE FAZ BEM, PORQUE NOS TORNA ARTISTAS MÚLTIPLOS, QUE ATUAM DE VÁRIAS MANEIRAS DIFERENTES EM CADA LUGAR.”
Zé IbarraQuais são, hoje, os projetos paralelos de cada um? E como administram o quarteto em meio a eles?
ZÉ IBARRA: A Dora está se preparando para gravar o primeiro disco dela. Já lançou o EP, “Vento de Beirada”. É muito legal porque o Lucas coproduziu com ela, e a música “Vento de Beirada” é minha com ele. A Julia acabou de gravar o disco novo dela e vai lançar em breve. Eu vou começar a gravar meu disco em brevíssimo. E o Lucas ainda não fez disco dele, não sei se pretende, mas trabalha muito com produção musical para vários artistas, sendo Caetano Veloso um deles. Como lidamos com isso? É uma loucura, uma correria total, mas acho que faz bem, porque nos torna artistas múltiplos, que atuam de várias maneiras diferentes em cada lugar. É uma qualidade, nos torna flexíveis e nos permite abranger espaços maiores.
E a rotina da banda, como é? Vocês passam muito tempo juntos?
ZÉ IBARRA: Nossa... Bala Desejo não ensaia, nunca ensaiou. Ensaiamos dois dias antes de gravar o disco. Gravamos o disco. E, desde então, ensaiamos no show, praticamente (risos). Mas estamos sempre juntos, né? Só não estamos mais porque cada um faz uma coisa: eu tocava com o Milton até há um tempo, Lucas está com Caetano, Dora tem suas coisas, Julia também. Mas a gente é muito amigo, está sempre junto, sempre num clima gostoso. É muito bom. Nossa amizade cresceu muito depois do Bala Desejo. A convivência diária e ininterrupta cria laços muito poderosos.
Em pouco tempo, muita coisa aconteceu para vocês. Que grande sonho coletivo conseguiram realizar já?
LUCAS NUNES: O maior sonho do Bala, principalmente no momento de pandemia, quando criávamos o projeto e criávamos essas músicas, era o fim da pandemia. O início dos shows. As coisas acontecendo. Não só isso, mas entender e enxergar como a galera iria escutar essas músicas. Esse sonho foi muito além do que imaginávamos. A gente vai aos shows, e as pessoas cantam todas as músicas, se divertem de uma maneira muito maior do que esperávamos. Muitos outros sonhos estão se realizando por conta disso, as músicas estão chegando às pessoas, elas se emocionam, se divertem. Isso é o mais incrível de tudo•