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O que a música tem a ver com esse mundo virtual inspirado nos games e que promete transformar nossas relações sociais e comerciais
por_ Lucia Mota • de_ San Francisco (EUA)Colaboração de Alessandro Soler • de_ São Paulo
Metaverso

O que a música tem a ver com esse mundo virtual inspirado nos games e que promete transformar nossas relações sociais e comerciais

por_ Lucia Mota • de_ San Francisco (EUA)Colaboração de Alessandro Soler • de_ São Paulo

Quem já jogou qualquer um dos videogames contemporâneos de histórias imersivas pode ter uma ideia bem aproximada do que será o metaverso. Da mesma forma que o seu avatar no jogo vai andando pelos espaços daquele mundo paralelo e tocando ícones para recarregar uma arma, acumular dinheiro ou acessar uma pista fundamental para passar de fase, você, com um celular na mão ou uns óculos de realidade aumentada, vai andando pelo mundo real, apontando sua câmera a objetos reais ou imaginários programados para lhe dar acesso a itens de consumo ou serviços. É uma coisa meio assim "Matrix", uma realidade dentro de outra — na qual, claro, o limite do seu cartão de crédito se confundirá com o limite das experiências que poderá viver.

Na música, dizem especialistas, tudo isso abre muitas possibilidades e desperta também muitas dúvidas. Uma coisa é certa: esse universo está a caminho e vai mudar um bocado as coisas como as conhecemos.

O setor de shows, por exemplo, tão duramente castigado pela pandemia, teria tido melhor sorte se já se houvesse transferido (ou ao menos operasse) no metaverso. Ali, todo mundo poderá estar "junto" sem nenhuma aglomeração real. Os maiores impulsionadores desse mundo de maravilhas (Facebook, Google e outras grandes corporações) prometem oferecer soluções tecnológicas para tornar a experiência o mais real possível, desde comprar o ingresso até "ir" ao local do show, passando pelas compras que fizer lá dentro. Quer um NFT, ou item colecionável exclusivo, do artista? Ou quem sabe ouvir antes dos demais o novo single? Talvez sua onda seja "visitar" o camarim e interagir diretamente com o ídolo (ou, no caso, o avatar dele). Vai ter tudo isso no metaverso.

AspasA música e a expressão artística fazem parte desse lugar, sem dúvida.”

Marisa Gandelman, advogada e educadora.

"A ponte entre a lógica dos jogos eletrônicos e as experiências do mundo da música é óbvia. Com os óculos, fones de ouvido poderosos e uma interface realista, o fã se sentirá próximo ao seu ídolo e poderá financiá-lo diretamente comprando NFTs, que depois podem ser revendidos a outros fãs. Essa forma de monetização é totalmente transparente, já que está baseada na arquitetura blockchain, que dispõe de um sistema de verificação à prova de fraudes", descreve Inder Phull, um dos fundadores e CEO da Pixelynx, empresa surgida no Vale do Silício a partir da união do jovem empreendedor com nomes como o DJ e produtor deadmau5, e que diz desenvolver soluções tecnológicas para integrar totalmente a música ao metaverso.

AspasA música e a expressão artística fazem parte desse lugar, sem dúvida.”

Marisa Gandelman, advogada e educadora.
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AspasOs moleques que já cresceram com os games entenderão o multiverso intuitivamente.”

Craig Donato, executivo-chefe de negócios da Roblox
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Eles estão longe de atuarem sós nessa missão. A estrela do rap Snoop Dogg anunciou recentemente que orientará a gravadora Death Row Records — criada na década de 1990 por Dr. Dre, quase fechada por uma grave crise financeira no início dos anos 2010 e agora recuperada — para esse mundo virtual. Nomes do seu catálogo, como o próprio Dogg e o lendário Tupac Shakur (morto em 1996) poderiam ter obras e itens colecionáveis transformados em NFTs.

"O futuro está no metaverso, vai ser a verdadeira liberdade dos artistas", cravou o rapper num chat fechado da plataforma Clubhouse, em que previu até mesmo a gravação de discos inteiros usando a tecnologia.

Seria, aliás, só uma evolução de algo que já acontece. Artistas que usam seus home studios para gravar sua parte numa canção ou álbum e, depois, compartilhá-la via internet continuariam a fazê-lo. O que muda é a interface: haverá um ambiente mais bonito e imersivo para fazer isso. “Muitos criadores musicais terão que passar por uma atualização. Vai mudar a forma de se conectar nessa realidade imersiva. As oportunidades de desenvolvimento da carreira se multiplicarão”, prevê Juliana França, gerente sênior no Brasil da PageGroup, uma das maiores consultorias e recrutadoras de talentos do mundo.

Para ela, um dos aspectos revolucionários do metaverso é potencializar a relação entre fãs e artistas. Tudo o que um ídolo da música faz hoje através das redes sociais pode ganhar mais "realismo" no metaverso: um vídeo exclusivo hoje publicado no Stories do Instagram poderia ser consumido de modo imersivo; um chat em que o artista responde a perguntas dos fãs pode virar um encontro virtual com avatares. A "proximidade", numa era em que a exposição do criador musical como persona pública será muitas vezes potencializada, é o grande pulo do gato dessa tecnologia.

No caso de um compositor que não é intérprete — e que, portanto, tem menos exposição na ribalta pública—, que vantagem o metaverso pode trazer? Pois muitas, responde Thiago Lima, diretor de tecnologia na Semantix Brasil, empresa que desenvolve soluções para novas tecnologias digitais.

“Ao criar uma música, o compositor poderá atribuir-lhe um token digital, um código único que facilita tudo: do tráfego dessa obra entre usuários de música, passando pela arrecadação mais precisa de direitos autorais, obtenção de licenças… Com a tecnologia blockchain funcionando como espinha dorsal das transações, tudo será mais descentralizado e ágil. Só que, claro, haverá certos limites”, ele afirma, lembrando que por trás dos metaversos (assim mesmo, no plural) estarão os interesses de muitas empresas.

É que, como ocorre na internet, cada desenvolvedor de um “portal” para acessar esse mundo paralelo terá sua chave de acesso; ou seja, suas regras.

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"Como ocorreu com a internet, este é um trabalho de muitas pessoas. Ninguém é o dono do metaverso. Embora muitas das soluções que estejam sendo criadas estarão protegidas por direitos de propriedade intelectual e direitos autorais", afirma o prestigiado pesquisador Jermey Bailenson, professor da Universidade de Stanford, da Califórnia (EUA).

Há décadas, ele estuda soluções de realidade virtual e realidade aumentada e crê que, na velocidade atual, e a despeito dos esforços de pesos-pesados do mundo tecnológico como Google, Facebook (agora Meta), Roblox e Epic Games (essas últimas especializadas no mundo dos jogos), vai demorar pelo menos 15 anos até que esse universo esteja totalmente pronto e operativo de fato. Sem falar que a velocidade de migração das pessoas para um dia a dia ali terá diferentes velocidades.

Em abril de 2020, o rapper americano Travis Scott inaugurou uma parceria até então inédita com a Epic Games que, no futuro, poderá ser lembrada como uma espécie de prévia do metaverso. Ele deu um show ao vivo dentro de um videogame, o Fortnite, famosa franquia da Epic. Teve um dos maiores públicos para um show da história, já que nada menos que 28 milhões de pessoas estiveram ligadas ao vivo, em todo o mundo, na apresentação dele. Não é surpreendente: naquele ano, segundo a consultoria Newzoo, a indústria dos games movimentou US$ 152 bilhões, apesar da crise, bem mais do que os US$ 136 bilhões de toda a indústria cinematográfica mundial junta — incluídos Hollywood, Bollywood, Netflix e outros grandes players. Se o metaverso atrair pelo menos uma parte do público gamer, portanto, seu sucesso comercial já está mais que assegurado.

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"Os moleques que já cresceram metidos nos universos imersivos dos games vão entender essa coisa de metaverso intuitivamente", aposta Craig Donato, executivo-chefe de negócios da Roblox, uma empresa de videogames avaliada em US$ 38 bilhões e uma das mais envolvidas no desenvolvimento de soluções tecnológicas para o metaverso.

A entrada da Roblox e outras empresas alheias ao mundo da música no segmento de shows virtuais, por exemplo, exigiria um esforço dos titulares de direitos e das organizações que os representam para buscar licenças e fechar contratos com uma infinidade de novos players. É que, ao menos pelas regras atuais, a plataforma que usa música também deve pagar royalties ou execução pública, conforme o caso.

"Entendo que, em tese, as regras de hoje não mudariam: se uma plataforma oferece o ambiente virtual para megaconcertos de massa, é responsável diretamente ou, dependendo do modelo de negócio, pode ser responsável solidário, como o YouTube com relação ao conteúdo de usuário. Já o promotor do show ou o produtor que desenvolve um negócio comercial de shows, estes podem ficar responsáveis pelo pagamento dos direitos ao Ecad, como ocorre hoje", diz Marisa Gandelman, advogada e educadora especialista em direitos autorais.

Ela evoca um problema já existente no streaming e em outros contextos digitais, de consumo fragmentado e baixas remunerações aos criadores, e prevê uma realidade ainda mais complexa.

"É um ambiente potencialmente infinito, e as questões relacionadas aos resultados econômicos e divisão dos ganhos será cada vez mais difícil. Permanece o problema da remuneração cada vez mais fragmentada e de valor econômico inexpressivo", raciocina Marisa, que ressalta: "Agora, o metaverso abre a possibilidade de viver de fato uma outra vida, ter uma experiência não só de entretenimento, mas também de negócios e trabalho que muda completamente o sentido do tempo e do espaço, com as pessoas vivendo isso organicamente. Muito interessante. Se for assim, a música e a expressão artística fazem parte desse lugar, sem dúvida."

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