Eles estão longe de atuarem sós nessa missão. A estrela do rap Snoop Dogg anunciou recentemente que orientará a gravadora Death Row Records — criada na década de 1990 por Dr. Dre, quase fechada por uma grave crise financeira no início dos anos 2010 e agora recuperada — para esse mundo virtual. Nomes do seu catálogo, como o próprio Dogg e o lendário Tupac Shakur (morto em 1996) poderiam ter obras e itens colecionáveis transformados em NFTs.
"O futuro está no metaverso, vai ser a verdadeira liberdade dos artistas", cravou o rapper num chat fechado da plataforma Clubhouse, em que previu até mesmo a gravação de discos inteiros usando a tecnologia.
Seria, aliás, só uma evolução de algo que já acontece. Artistas que usam seus home studios para gravar sua parte numa canção ou álbum e, depois, compartilhá-la via internet continuariam a fazê-lo. O que muda é a interface: haverá um ambiente mais bonito e imersivo para fazer isso. “Muitos criadores musicais terão que passar por uma atualização. Vai mudar a forma de se conectar nessa realidade imersiva. As oportunidades de desenvolvimento da carreira se multiplicarão”, prevê Juliana França, gerente sênior no Brasil da PageGroup, uma das maiores consultorias e recrutadoras de talentos do mundo.
Para ela, um dos aspectos revolucionários do metaverso é potencializar a relação entre fãs e artistas. Tudo o que um ídolo da música faz hoje através das redes sociais pode ganhar mais "realismo" no metaverso: um vídeo exclusivo hoje publicado no Stories do Instagram poderia ser consumido de modo imersivo; um chat em que o artista responde a perguntas dos fãs pode virar um encontro virtual com avatares. A "proximidade", numa era em que a exposição do criador musical como persona pública será muitas vezes potencializada, é o grande pulo do gato dessa tecnologia.
No caso de um compositor que não é intérprete — e que, portanto, tem menos exposição na ribalta pública—, que vantagem o metaverso pode trazer? Pois muitas, responde Thiago Lima, diretor de tecnologia na Semantix Brasil, empresa que desenvolve soluções para novas tecnologias digitais.
“Ao criar uma música, o compositor poderá atribuir-lhe um token digital, um código único que facilita tudo: do tráfego dessa obra entre usuários de música, passando pela arrecadação mais precisa de direitos autorais, obtenção de licenças… Com a tecnologia blockchain funcionando como espinha dorsal das transações, tudo será mais descentralizado e ágil. Só que, claro, haverá certos limites”, ele afirma, lembrando que por trás dos metaversos (assim mesmo, no plural) estarão os interesses de muitas empresas.
É que, como ocorre na internet, cada desenvolvedor de um “portal” para acessar esse mundo paralelo terá sua chave de acesso; ou seja, suas regras.
"Como ocorreu com a internet, este é um trabalho de muitas pessoas. Ninguém é o dono do metaverso. Embora muitas das soluções que estejam sendo criadas estarão protegidas por direitos de propriedade intelectual e direitos autorais", afirma o prestigiado pesquisador Jermey Bailenson, professor da Universidade de Stanford, da Califórnia (EUA).
Há décadas, ele estuda soluções de realidade virtual e realidade aumentada e crê que, na velocidade atual, e a despeito dos esforços de pesos-pesados do mundo tecnológico como Google, Facebook (agora Meta), Roblox e Epic Games (essas últimas especializadas no mundo dos jogos), vai demorar pelo menos 15 anos até que esse universo esteja totalmente pronto e operativo de fato. Sem falar que a velocidade de migração das pessoas para um dia a dia ali terá diferentes velocidades.
"Os moleques que já cresceram metidos nos universos imersivos dos games vão entender essa coisa de metaverso intuitivamente", aposta Craig Donato, executivo-chefe de negócios da Roblox, uma empresa de videogames avaliada em US$ 38 bilhões e uma das mais envolvidas no desenvolvimento de soluções tecnológicas para o metaverso.
A entrada da Roblox e outras empresas alheias ao mundo da música no segmento de shows virtuais, por exemplo, exigiria um esforço dos titulares de direitos e das organizações que os representam para buscar licenças e fechar contratos com uma infinidade de novos players. É que, ao menos pelas regras atuais, a plataforma que usa música também deve pagar royalties ou execução pública, conforme o caso.
"Entendo que, em tese, as regras de hoje não mudariam: se uma plataforma oferece o ambiente virtual para megaconcertos de massa, é responsável diretamente ou, dependendo do modelo de negócio, pode ser responsável solidário, como o YouTube com relação ao conteúdo de usuário. Já o promotor do show ou o produtor que desenvolve um negócio comercial de shows, estes podem ficar responsáveis pelo pagamento dos direitos ao Ecad, como ocorre hoje", diz Marisa Gandelman, advogada e educadora especialista em direitos autorais.
Ela evoca um problema já existente no streaming e em outros contextos digitais, de consumo fragmentado e baixas remunerações aos criadores, e prevê uma realidade ainda mais complexa.
"É um ambiente potencialmente infinito, e as questões relacionadas aos resultados econômicos e divisão dos ganhos será cada vez mais difícil. Permanece o problema da remuneração cada vez mais fragmentada e de valor econômico inexpressivo", raciocina Marisa, que ressalta: "Agora, o metaverso abre a possibilidade de viver de fato uma outra vida, ter uma experiência não só de entretenimento, mas também de negócios e trabalho que muda completamente o sentido do tempo e do espaço, com as pessoas vivendo isso organicamente. Muito interessante. Se for assim, a música e a expressão artística fazem parte desse lugar, sem dúvida." •