UMA PLAYLIST COM BOA CURADORIA PODE IMPULSIONAR CARREIRAS DE ARTISTAS MAIS PREPARADOS E ATENTOS AO QUE O PÚBLICO BUSCA.”
Alan Lopes, coordenador de A&R da Som LivreEspecialistas comentam a enorme capacidade do formato para catapultar uma canção e debatem: estarão essas listas influenciando a própria maneira de criar música?
por_ Eduardo Lemos • de_ LondresAs playlists são mais populares do que os álbuns pelo menos desde 2016, quando um estudo revelou que o formato de lista de reprodução atraía mais ouvintes do que o modelo de disco tradicional. De lá pra cá, é notável que o poder das playlists só aumentou. Artistas, selos e gravadoras do segmento pop disputam espaço nas listas mais bombadas, e o público parece ter se acostumado a escutar música através de filtros como gêneros musicais, moods, sensações e até atividades cotidianas (procure em qualquer plataforma por Dia de Faxina).
Nunca a humanidade pôde acessar tanta música e por tantos lugares diferentes, e o modelo de playlist é, talvez, o que melhor organiza a quantidade esmagadora de informação que está dispersa pelas redes sociais, aplicativos de mensagens, rádios, blogs etc. Hoje, as playlists têm a chave para o acesso de uma música ao buzz do mercado, literalmente ditando o que será destaque na imprensa (é só lembrar por quantas semanas falamos sobre Anitta e “Envolver”, depois que a artista conquistou o primeiro lugar no Spotify Global, em março deste ano).
"A produção musical sempre teve filtros, historicamente tem crítica musical no Brasil pelo menos desde o século 19, depois veio o rádio, a TV… Só que esses filtros hoje têm menos relevância do que já tiveram no passado. Influenciadores, redes sociais e as playlists fazem este papel hoje em dia", explica a jornalista e pesquisadora musical Kamille Viola, autora do livro “África Brasil: Um Dia Jorge Ben Voou Para Toda a Gente Ver” (Edições Sesc). "Estar nas principais playlists traz visibilidade para artistas que estão lutando por espaços com outros artistas que já são conhecidos", ela continua.
Kamille cita ainda as playlists editoriais — cuja seleção é feita por curadores das plataformas — como um exemplo de filtro que faz diferença na divulgação de uma música.
PARA UM ARTISTA CONSEGUIR MANTER UMA AUDIÊNCIA COM CONSISTÊNCIA, UMA SAÍDA PODE SER FICAR LANÇANDO (VÁRIAS) MÚSICAS NUM CURTO ESPAÇO DE TEMPO.”
Kamille Viola, jornalista e pesquisadora musical"Uma playlist com boa curadoria pode impulsionar carreiras de artistas mais preparados e atentos ao que o público busca", diz o coordenador de A&R da Som Livre, Alan Lopes. No entanto, segundo ele, "para muita gente, o processo de acesso às playlists ainda é mistificado e com pouca informação prática de qualidade". Mas, para o diretor de conteúdo, marketing artístico e relações com as gravadoras da Deezer Brasil, Pedro Kurtz, não é nada tão complicado assim.
"Não só para o pop, mas para todos os gêneros musicais, existem editores que decidem semanalmente quais músicas entram e quais saem. Os critérios incluem performance e potencial das faixas, histórico do artista, engajamento do artista com a plataforma, o calendário de lançamento, como ele vem fazendo a divulgação… Esses são alguns dos fatores, dentre muitos", revela. Playlists inspiradas em moods, segundo Pedro, têm curadoria mista, feita por algoritmos e por humanos. Sobre o perfil deste profissionais, Pedro diz que a Deezer recruta editores que tenham "paixão por música e conhecimento de diferentes gêneros".
Se, para a indústria, as playlists passaram a ser essenciais ao bom desempenho de uma faixa, é natural que a própria criação musical seja afetada, com artistas e gravadoras privilegiando o lançamento de músicas "perfeitas para as listas de reprodução" — que seriam mais curtas, evitariam longas introduções e se apropriaram de gêneros que estão bombando. "Artistas diversos estão colocando o funk no seu trabalho, as músicas ganham versão em piseiro… todo mundo quer pegar uma carona no que está fazendo sucesso. A gente sabe de escritórios de compositores que compõem já pensando no padrão de música que faz sucesso. Uma coisa estimula a outra", diz Kamille Viola.
EXISTE UMA CRENÇA INFUNDADA DE QUE É POSSÍVEL ‘DOMAR’ O ALGORITMO, ALIMENTANDO-O COM LANÇAMENTOS ININTERRUPTOS. É UMA FALÁCIA.”
Pedro Kurtz, diretor na Deezer BrasilEste poder todo das playlists, porém, pode estar superdimensionado, acredita Pedro Kurtz. "As playlists nada mais são do que um espaço, uma vitrine. A gente envelopa isso de acordo com o conteúdo", diz o executivo, que não vê "grandes diferenças" no tempo de duração das faixas atuais em comparação com o passado. "Por outro lado, a forma como o público está consumindo música, isso sim está mudando". Um exemplo, segundo ele, são os vídeos curtos de redes sociais como Tik Tok, Snapchat e Instagram, em que a audiência está se acostumando a consumir apenas trechos de uma faixa.
Alan Lopes reconhece que as playlists influenciam as decisões artísticas. "O trabalho do A&R precisa estar em perfeito alinhamento com o que o artista deseja criar e comunicar, e dentro desse alinhamento há o papel de enxergar esses detalhes e características das faixas que ampliam o poder de posicionamento nas playlists, valorizando-os através da produção musical", detalha.
UMA PLAYLIST COM BOA CURADORIA PODE IMPULSIONAR CARREIRAS DE ARTISTAS MAIS PREPARADOS E ATENTOS AO QUE O PÚBLICO BUSCA.”
Alan Lopes, coordenador de A&R da Som LivreEle vê esta influência como consequência natural ("novas ferramentas ampliam as perspectivas de criação e de consumo, criando novos formatos de se fazer e de se consumir arte"), mas reitera que não existe fórmula mágica. "O mais importante são os valores de composição e criação. Antes de tudo a música precisa ser boa e cumprir seu papel de comunicar uma ideia ou sentimento", encerra.•