Uma das principais artistas das últimas décadas da música produzida na Bahia, Margareth Menezes viveu a montanha-russa das idas e vindas das modas do mercado. Surgiu no seio da produção afro-baiana, fez turnês internacionais, lançou mais de uma dezena de álbuns, gravou diversos sucessos, criou bloco de carnaval, cantou gêneros musicais vários e, aos 60 anos, está num momento de alta produção. Álbum, turnê, projeto sócio-cultural, biografia e documentários são algumas das atividades na comemoração dos 35 anos de carreira.
Que balanço faz da sua trajetória?
MARGARETH MENEZES - Superpositivo! Tenho um sentimento de gratidão enorme por tudo e todos que cruzaram o meu caminho nessa construção. É muito natural, quando a gente começa, arriscar nos projetos, tentar colocar nossa digital nas coisas, tornar cada vez que se sobe ao palco um acontecimento para quem assiste. E eu entendi, desde muito cedo, que era importante marcar a memória das pessoas, fazê-las sentir que aquele show foi além de um momento de entretenimento, que foi algo que se fixou na memória e no coração. Na minha carreira sempre busquei e continuo buscando construir conexões com coisas que façam expandir a percepção.
Você surgiu num momento de efervescência da música afro-baiana. Fez sucesso, circulou pelo mundo, mas não foi colocada no patamar que merecia. Manteve, no entanto, uma carreira íntegra e vem colhendo os resultados disso. Como olha a forma como foi colocada no passado e como enxerga o lugar que ocupa hoje?
O grande diferencial é que eu não tive uma grande gravadora por trás de mim, e o mercado não consumia a música de uma artista negra baiana que tinha postura afrourbana e não se limitava aos estereótipos da época. Sou uma cantora de música popular, mas sempre tive um pouco de reflexão e questionamentos nas letras sobre as questões sociais e culturais, além dos temas ligados ao legado ancestral e símbolos da religião. Falei sobre amor, racismo, ecologia etc. A indústria e os empresários da época já tinham seus modelos comerciais, e artistas negras e negros não eram vistos como aposta comercial, exclusivamente pela cor da sua pele. A música afro-baiana e o axé se expandem como gêneros em que a raiz afro é a mola mestra, porém não existia lugar para nós quando se falava em uma aposta para retorno econômico. Só quem entrava na gestão financeira diretamente eram os artistas não negros, e isso é um fato bem visível. Dito tudo isso, não posso dizer que não fiz ou continuo a fazer meu trabalho acontecer. Quanto ao (insuficiente) reconhecimento, isso não atinge só a mim. Esta questão está ligada ao racismo estrutural que busca nos invisibilizar de todas as formas. Já avançamos alguns passos, mas ainda há muito o que caminhar. Nós, negros e negras, temos consciência disso. Quem mais perde com isso é o próprio país, que não aproveita de maneira produtiva e inteligente, econômica e socialmente, todo o potencial que nosso povo pode oferecer. Se, com todo esse maltrato e violência, a gente consegue produzir maravilhas e atravessar as fronteiras do Brasil, imagine quando isso for entendido e bem administrado. A todo minuto nasce gente preta, parda, indígenas, mestiços e brancos. Se potencializarmos o cidadão brasileiro como um todo, ninguém segura este país.
É um ano de comemorações, repleto de lançamentos e novidades. O que, afinal, vem por aí?
É um ano muito especial para mim, e tudo isso me dá muita alegria. Djamila Ribeiro, que assina minha biografia, e Joelma Oliveira, que produz o documentário, são duas mulheres negras incríveis da nova geração. Estou muito honrada com esses registros porque poderei contar um pouco da minha história. Além disso, estamos preparando um show comemorativo aos 35 anos de carreira, que terá uma turnê pelo Brasil, e um álbum novo especial, que terá direção musical de Russo Passapusso. Tudo isso é muito instigante, e comemoro de todo meu coração, agradecendo sempre pela oportunidade de poder vivenciar este movimento. •