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foto_ Tadeu Bara
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VOZ

PRÓPRIA

Gabriel Sater trilha seu caminho rumo ao primeiro time da música — e da interpretação — e colhe os frutos de uma carreira construída independentemente do pai, Almir
por_ Sérgio Martins • de_ São Paulo
Metaverso
foto_ Tadeu Bara

Gabriel Sater trilha seu caminho rumo ao primeiro time da música — e da interpretação — e colhe os frutos de uma carreira construída independentemente do pai, Almir

por_ Sérgio Martins • de_ São Paulo

Os herdeiros de 90% das lendas do entretenimento (do esporte também, mas estamos numa revista musical) mostram que nem sempre conseguem sair aos pais. Embora tragam um DNA privilegiado, muitas vezes falta-lhes o talento e a criatividade para ir adiante ao padrão estabelecido pelos progenitores. Gabriel Sater, de 40 anos, é uma exceção.

Como o sobrenome indica, ele é filho de Almir Sater, violeiro, cantor e referência do som do Pantanal. Mas o rapaz nunca se aproveitou da fama paterna para se lançar no mundo da música – pelo contrário, ele escutou de Almir que teria de batalhar pela própria carreira se quisesse se manter nesse universo. Foi de disco em disco, e de solos de violão a viola, que o jovem músico conquistou seu lugar ao sol.

“A família Sater me mostrou que um raio pode, sim, cair duas vezes no mesmo lugar”, teoriza o maestro João Carlos Martins, que tem um projeto ao lado do jovem Sater.

Os espectadores de “Pantanal”, novela atualmente exibida pela Rede Globo, ficaram de queixo caído ao presenciar o duelo de violas entre Xeréu Trindade (Gabriel), violeiro que teria feito um pacto com o diabo, e Eugênio (Almir), barqueiro responsável por levar moradores e visitantes do Pantanal pelo rio, numa cena que durou mais de cinco minutos.

A inspiração para a cena partiu de “A Encruzilhada” (1987), do cineasta Walter Hill, em que um jovem fã de blues interpretado pelo ator Ralph Macchio (o “Karatê Kid”) duela com um guitarrista apadrinhado pelo cramulhão Made in America (Steve Vai, uma das lendas em seu instrumento) pela alma de um velho gaitista de blues. No filme, Macchio, claro, ganha a aposta.

Nenhum roteirista de Hollywood, contudo, imaginaria o desfecho da cena na novela global. Gabriel tocou “Arabescos”, do violonista erudito paraguaio Agustín Barrios (1885-1944). “É uma das prediletas do meu pai”, diz ele, que lançou a composição nas plataformas de streaming.

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Os aficionados em música, por seu turno, se emocionaram com o encontro entre Gabriel, que interpreta o personagem que seu pai viveu na versão de 1990 da novela, e Almir, numa das raras vezes em que os dois estiveram lado a lado. “Eu e meu pai passamos 60 dias ensaiando esse duelo e nos reconectamos de forma maravilhosa”, conta Gabriel.

Gabriel Sater nasceu em São Paulo e é primogênito de Almir. Quando tinha dois anos de idade, mudou-se para Campo Grande, em Mato Grosso do Sul. Em 1998, migrou para os Estados Unidos a fim de concluir o ensino médio e chegou a praticar esporte – era um voluntarioso atleta de futebol americano – e ter aulas de teatro. Quando retornou ao país (e para a cidade de São Paulo, para onde se mudaria definitivamente em 2008), decidiu ingressar na carreira artística. Escutou de Almir que o filho teria de conquistar seu lugar ao sol sem apelar para o nepotismo. Um ótimo conselho, diga-se. Gabriel passou a participar e vencer festivais de música e, com o dinheiro arrecadado, deu passos importantes na sua carreira musical.

AspasEU E MEU PAI PASSAMOS 60 DIAS ENSAIANDO ESSE DUELO E NOS RECONECTAMOS DE FORMA MARAVILHOSA.”

Gabriel Sater
Gabriel Sater

AspasEU E MEU PAI PASSAMOS 60 DIAS ENSAIANDO ESSE DUELO E NOS RECONECTAMOS DE FORMA MARAVILHOSA.”

Gabriel Sater
Metaverso
Gabriel Soter
foto_ Globo/João Miguel Júnior

O primeiro trabalho dele foi lançado em 2004 e trazia apenas temas instrumentais. “O violão dele tinha um som diferente. Uma mistura de influência clássica com a música do Pantanal”, diz Leandro Aguari, produtor do álbum e parceiro do músico.

Os dois chegaram ao consenso de que Gabriel teria de cantar para conquistar um público maior – embora ele ainda estivesse inseguro em relação aos seus dotes vocais. “A Essência do Amanhecer”, de 2009, é um grande avanço em relação ao disco de estreia. O trabalho marca o início da parceria de Gabriel com Luiz Carlos Sá, da dupla Sá & Guarabyra. “Foi Pedrão Baldanza, meu amigo e ex-baixista da dupla, quem me falou dele. Com sua experiência de excelente músico e compositor, Pedrão recebeu essa serendipity de enxergar entre Gabriel e eu aquela liga que constrói grandes parcerias”, diz Sá.

Gabriel Sater
foto_ Júlia Costa
Ao lado do pai, Almir, durante as gravações de uma emotiva cena para 'Pantanal'

A princípio, o coautor de “Caçador de Mim”, sucesso na voz de Milton Nascimento, não colocou fé na parceria. “As nossas origens musicais eram diversas, as gerações separadas por mais de 30 anos...”, diz. A desconfiança durou pouco tempo. “Começamos com ‘Boca do Mato’ e, quase quarenta músicas depois, estamos em 'Noite de Tempestade’, que ele canta em ‘Pantanal’.”

No terceiro disco, a maturidade estética e o salto para a TV

O pop adulto do cantor e compositor americano John Mayer foi a referência de “Indomável”, de 2014. Há ainda ecos da música mineira, em especial Clube da Esquina, e uma influência, digamos, caseira. “Clube da Esquina é fonte para todo músico brasileiro que preza por poesia e caminhos harmônicos geniais. E não foi diferente com o Gabriel, mas sinto que a influência da música mineira ganhou um lugar especial na vida dele graças a sua esposa, Paula Cunha, que é de Belo Horizonte e possui um gosto musical refinadíssimo e o assobio mais afinado que eu já ouvi”, diz João Gaspar, que nesse álbum atuou como coprodutor.

“Paula apresentou muita coisa para o Gabriel, e a música mineira veio somar com força às outras referências dele, que passa pela música flamenca, o jazz, a música pantaneira e de fronteira, que tem ritmos como chamamé, polca, guarânia, além, é claro, da MPB, da música instrumental brasileira, entre outras”, completa.

O processo de criação de Viramundo durou cinco meses e operou mudanças no estilo de Gabriel. “Canções como ‘Cabelo de Fogo’ e ‘Flor do Mato’, que fazem parte de ‘Indomável’, trazem uma influência maior de Almir, que não existiam antes”, diz o produtor Leandro Aguari. “Almir influenciou uma geração e continua influenciando muita gente, mas o Gabriel sempre mostrou um jeito próprio de fazer suas músicas, seus arranjos, e acredito que em seu trabalho essa digital fica muito evidente”, completa João Gaspar.

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Durante o processo de criação de “Indomável”, Gabriel Sater foi chamado pelo diretor Luiz Fernando Carvalho para atuar em “Meu Pedacinho de Chão”, novela de Benedito Ruy Barbosa exibida pela Rede Globo. O personagem Viramundo exigiu alguns esforços de Gabriel. Por exemplo, ele teve de aprender a tocar viola caipira, instrumento de preferência de seu pai, Almir.

A boa recepção de “Pedacinho” de Chão credenciou Gabriel Sater para outro trabalho como ator, dessa vez no universo dos musicais. Ele foi o parceiro romântico de Lucy Alves em "Nuvem de Lágrimas”, uma versão cantada de “Orgulho e Preconceito”, romance do século XIX escrito por Jane Austen, que na versão brasileira ganhou as canções de Chitãozinho & Xororó.

“Foi o meu primeiro trabalho com atuação, antes mesmo da minha primeira novela, então sempre vou lembrar dele com muito carinho. Os meses em que estivemos em cartaz foram de muito aprendizado, mas especialmente divertidos. Atuar, cantar e tocar com o Gabriel todas as noites era muito leve, ele sempre foi uma pessoa muito disponível, além de ser extremamente talentoso, é claro. Um grande amigo que eu vou levar para a vida!”, derrete-se Lucy.

“Ao Vivo no Minidocs”, de 2018, foi construído durante apresentações itinerantes de Gabriel Sater pelo país e traz um velho conhecido de seu pai. Renato Teixeira participa de “Quando For a Hora”, uma ótima canção de despedida. “Gabriel eu vi crescendo, sempre disposto a aprender, a se dedicar com doçura e determinação a tudo que fazia e faz. Gosta da arte, da criação, do dizer. Fez-se gente grande. Menino querido que me chama de tio e de parceiro”, filosofa Teixeira.

Gabriel Sater
foto_ Globo e João Miguel

No mesmo ano, Gabriel fez outra incursão pelas telas. Ele foi o protagonista de “Coração de Cowboy”, onde interpreta um astro do sertanejo universitário que volta para sua cidade natal a fim de se conectar com o pai, interpretado por Jackson Antunes, e se dedicar ao sertanejo raiz. Peraí, se reconectar com pai? Freud explica, diriam os psicólogos.

O sucesso de Pantanal ajudou a incrementar sua carreira musical. Ele até agora lançou quatro singles, sendo que o mais recente, "Amor de Índio” (clássico de Beto Guedes), foi ao lado da Bachiana Filarmônica, orquestra do maestro João Carlos Martins. “Ele toca viola espetacularmente, e sou fã de sua técnica interpretativa”, elogia o regente.

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Gabriel Sater ficou sabendo das audições para “Pantanal” em setembro de 2020. Sem se apresentar ao vivo desde o março de 2020, quando tocou em Auckland, na Nova Zelândia, ele se candidatou ao cargo de servo do Coisa Ruim. Interrompeu os planos de viajar em férias com Paula para Ibitipoca, Minas Gerais, e passou a aprimorar seus dotes como ator. Em fevereiro de 2021, foi selecionado para o papel de Xeréu Trindade. A experiência tem sido parada dura. “Eu escalo o Everest todos os dias”, diz.

Os elogios para o elenco, contudo, saem em profusão. “Bel é uma atriz incrível. Chico é meu amigo pessoal”, comenta ele, referindo-se aos dois filhos de Renato Teixeira. “E Marcos Palmeira une o grupo como poucos”.

Os planos para o futuro incluem um baile inspirado no cancioneiro de Pantanal e duas récitas – a saber, 05 e 06 de setembro – com a Bachiana. E Almir, o que acha disso tudo? “Ele está ficando um pouco mais manso. Nunca o vi tão feliz”, emociona-se Gabriel.

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Gabriel Soter
Ao lado do pai, Almir, durante as gravações de uma emotiva cena para 'Pantanal'
foto_ Júlia Costa
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