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2023
No mercado de música digital, o jogo está prestes a mudar
O que vai acontecer quando o TikTok criar sua própria plataforma de streaming? Especialistas comentampor_ Eduardo Lemos de_ Londres
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O analista Bruno Maia

AspasO ATUAL MODELO DAS PLATAFORMAS VEIO PARA FICAR, MAS PODE SER MELHORADO.”

Bruno Maia, especialista em novas tecnologias

O que vai acontecer quando o TikTok criar sua própria plataforma de streaming? Especialistas comentam

por_ Eduardo Lemos • de_ Londres

Pouco a pouco, o TikTok está se tornando muito mais do que um app de vídeos curtos. A plataforma chinesa já bagunçou a vida do Instagram e ameaça até o reinado do Google como principal buscador da internet. O próximo alvo da ByteDance, empresa que controla o TikTok, é a música em sua totalidade, como um ecossistema próprio e desvinculado de Spotify e cia.: a companhia chinesa deve lançar em breve o seu próprio serviço de streaming musical e, com isso, inaugurar uma concorrência direta com gigantes do segmento.

O nome da plataforma, segundo rumores do mercado, seria TikTok Music, o que reforça a suspeita de que o novo serviço será integrado ao app mais popular da internet. A empresa já estaria até em negociações avançadas com as três maiores gravadoras do mundo, Warner, Sony e Universal. Embora a ByteDance não tenha emitido nenhum comunicado oficial sobre o assunto, especialistas já debatem quais serão os efeitos da chegada de um player tão poderoso ao mercado de streaming musical.

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Mark Mulligan, pesquisador do mercado que prevê um grande salto do TikTok

AspasO TIKTOK PODE FORNECER O CONTEXTO CULTURAL E CRIATIVO, E NÃO APENAS O ARQUIVO DE ÁUDIO SIMPLIFICADO.”

Mark Mulligan, do centro de pesquisas MIDiA Research

O TikTok Music pode mudar o jogo", resumiu o analista de mídia britânico Mark Mulligan em artigo publicado em outubro no site do MIDiA Research. Segundo o pesquisador, a plataforma deverá unir música e vídeo de uma maneira inédita até aqui. "Quando uma música é ouvida em streaming, ela não traz todo o seu contexto criativo e cultural – é como ouvir apenas a trilha sonora de um filme. É por isso que um serviço como o TikTok Music pode ser tão empolgante, porque ele pode fornecer o contexto criativo e cultural (através dos milhares de vídeos criados pelos usuários com as músicas), não apenas o arquivo de áudio simplificado."

Quais as consequências de tanto poder concentrado na mão de uma única plataforma? Dois especialistas respondem:

Veronica Pessoa: Todos perdemos muito quando não há diversidade. A concentração de poder nunca é positiva. Uma indústria múltipla é sempre mais rica, diversa e interessante. As empresas de vídeo curto vêm crescendo bastante, principalmente o TikTok, e são a novidade da vez (ou foram! tudo gira muito rápido, talvez o consumo de música no metaverso, sim, seja a novidade da vez), por isso também têm ocupado um espaço significativo no consumo.

Mark Mulligan: O mercado da música precisa que os serviços de streaming cresçam, não que eles sejam substituídos.

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O TikTok Music deverá, segundo ele, inaugurar um novo modelo de criar, distribuir e consumir música, tudo dentro de uma mesma plataforma. "Na atual cadeia do streaming, você tem criadores, direitos, distribuição, promoção e consumo”, explica Mulligan. Atuando também como plataforma de streaming, o TikTok reuniria cada perna dessa equação, pois já tem o público que cria e distribui conteúdos a partir das faixas. Será, como ele define, “um ciclo virtuoso independente, um ecossistema.”

Em outubro, os chineses já lançaram o serviço StemDrop, em parceria com a Samsung, que permite aos usuários criarem e compartilharem novas músicas inspiradas em canções já existentes de artistas consagrados. Qualquer um pode inventar batidas, cantar, fazer remixes e produzir variações de grandes sucessos como se fossem DJs.

Para a Head of Labels & Artists BR da Altafonte, Veronica Pessoa, o modelo não representaria exatamente uma novidade. "O YouTube já faz isso com a plataforma de vídeos curtos (YouTube Shorts), que opera com um algoritmo que favorece a descoberta, e leva para o consumo dentro da plataforma em vídeo (o próprio YouTube) e música (Youtube Music)", observa.

Embora reconheça que o TikTok Music deverá ocupar "um espaço novo e importante no ecossistema da música" e que será "necessário abrir espaço para esse formato de consumo e entender como encaixá-lo no nosso ecossistema", a executiva também faz uma defesa do atual modelo, em que artistas, gravadoras, distribuidoras e serviços de streaming atuam de maneira independente.

"É fundamental que a interface entre a produção artística e a loja seja feita por um player que tenha um pensamento artista-centrado, e não apenas o olhar comercial de quem vende ao consumidor final. É necessário ter o representante da música separado da plataforma, para que não haja conflito de interesses. A criação musical não pode acontecer somente dentro ou para determinada plataforma."

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O analista Bruno Maia

AspasO ATUAL MODELO DAS PLATAFORMAS VEIO PARA FICAR, MAS PODE SER MELHORADO.”

Bruno Maia, especialista em novas tecnologias

Na visão do especialista em inovação e novas tecnologias do entretenimento Bruno Maia, o TikTok Music deverá ser um concorrente forte para as atuais plataformas, mas longe de significar o fim de uma era.

"Não acredito em substituição de formas de consumo. Enquanto a gente fala de Metaverso, existem pessoas que consomem rádio ou jornal impresso, por exemplo. São camadas de consumo que vão se somando", analisa. Ele lembra que o próprio Spotify tem se adaptado e realizado mais entregas em vídeo. "O atual modelo das plataformas veio para ficar, mas pode ser melhorado."

A MIDiA Research aposta que o TikTok também está de olho no mercado de podcasts de áudio e vídeo, um território pouco explorado pelo app até aqui. O líder deste mercado é o Spotify, e uma entrada do TikTok poderia representar uma segunda nova batalha entre as big techs, que, com o Tik Tok Music saindo do papel, já vão duelar pelos usuários interessados em música.

A experiência do Resso

Pouca gente se lembra que a ByteDance já tem um serviço de streaming na praça. Trata-se do discreto Resso, lançado em 2020 e que roda apenas no Brasil, Indonésia e Índia - neste país, ele já é o segundo app de música mais baixado nas lojas virtuais, perdendo apenas para o Spotify.

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Veronica Pessoa, da Altafonte

AspasA CRIAÇÃO MUSICAL NÃO PODE ACONTECER SOMENTE DENTRO OU PARA DETERMINADA PLATAFORMA.”

Veronica Pessoa, head of Labels & Artists BR na Altafonte

Assim como o Tik Tok, o Resso também investe em uma inteligência artificial extremamente precisa, que coleta dados e recomenda ao usuário músicas de que ele certamente irá gostar. A experiência de navegação é parecida com o Tik Tok, com o mecanismo de "deslizar para baixo" que troca a música que está tocando e contribui para um loop sem fim de conteúdo. Outra característica que o diferencia do Spotify é a possibilidade de os artistas interagirem com seus fãs via chat e até realizarem transmissões ao vivo dentro da plataforma – um modelo de mescla de streaming e rede social que domina o mercado chinês há anos. Em novembro, o Tik Tok transmitiu em sua plataforma os shows do festival Primavera Sound, em São Paulo.

No entanto, atualmente, a ameaça às grandes plataformas não vem do Resso, mas sim do próprio TikTok. Tanto que até as maiores empresas do planeta decidiram brincar de ser artista. Áreas de marketing estão contratando músicos, compositores e produtores para compor músicas originais para seus clientes. Só em 2022, McDonalds, Sprite, Pizza Hut e Trident lançaram faixas próprias na plataforma, sempre em parceria com tiktokers bombados.

Nenhuma música se tornou exatamente um viral, mas todas conquistaram milhões de visualizações, o que talvez não fosse possível com vídeos publicitários tradicionais. É um caminho novo, mas que pode representar uma tendência tanto para a publicidade como para a indústria da música.

Outro sinal de que o TikTok já é uma dor de cabeça para as plataformas de música é a área de Discovery (Descobertas) do app chinês, que está deixando de ser um lugar onde o usuário conhece uma música nova e depois vai escutá-la no YouTube ou Spotify; cada vez mais, as pessoas estão permanecendo no TikTok e consumindo a música por ali mesmo. Seria este hábito uma ameaça aos serviços de música?

"Não acho que os jovens passarão a ouvir música somente no TikTok, assim como não se parou pra ouvir somente no Spotify quando ele chegou revolucionando a indústria da música", opina Veronica Pessoa. "É sem dúvida uma tendência, mas não é irreversível", diz Bruno Maia.

Sem volta mesmo é a mudança que a web3 está trazendo para as nossas vidas – e, consequentemente, para a indústria da música, alerta Maia.

"A gente já vê artistas novos que tokenizam suas músicas, que criam a partir de fundraiser com fãs, que por sua vez viram donos daquela propriedade e se engajam de maneiras diferentes para aquilo acontecer. Quando o artista divide mais com seus fãs, eles viram uma base de sustentação até mais real, independente de uma gravadora ou um selo ou uma plataforma. Acredito que essas características da web 3.0 - descentralização, cooperação, propriedade, interação econômica -, tudo isso vai alterar o jeito que a gente consome, inclusive música."

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Mark Mulligan, do centro de pesquisas MIDiA Research
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Veronica Pessoa, da Altafonte

AspasA CRIAÇÃO MUSICAL NÃO PODE ACONTECER SOMENTE DENTRO OU PARA DETERMINADA PLATAFORMA.”

Veronica Pessoa, head of Labels & Artists BR na Altafonte
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E QUANDO O TIKTOK MELHORARÁ OS PAGAMENTOS AOS ARTISTAS?

Em julho deste ano, executivos ligados a selos e gravadoras relataram à revista americana Billboard que não importa que uma música seja usada em milhões de vídeos e alcance bilhões de visualizações no TikTok. O retorno financeiro é sempre muito baixo. Há relatos de faixas com 1 milhão de visualizações que renderam míseros 8 dólares de pagamento. "A plataforma não vê a música como um valor agregado, mas sim como um custo que eles precisam controlar o máximo possível", observou um executivo à revista.

Em resumo, o TikTok tem cada vez mais usuários e ganha cada vez mais com publicidade. Mas os que produzem a matéria-prima do seu sucesso – compositores, intérpretes, gravadoras - não são pagos de maneira condizente. Essa disparidade entre os ganhos da plataforma e os repasses para a indústria é classificada por Veronica Pessoa como "um desatino que já vem de outros tempos, uma bola de neve que cresce numa velocidade maior do que sua regulação".

"É importantíssimo para o artista que o público tenha crescido - em outros tempos, falávamos em milhares de discos vendidos, hoje falamos em milhões de plays. Mas, justamente por isso, fazem-se necessários a regulação, o ajuste e a fiscalização da remuneração, do fluxo desse volume de receita gerada nesse processo. É urgente acolher, regular e remunerar adequadamente os envolvidos", diz Veronica Pessoa.

Em um comunicado recente, o Head de Música do TikTok, Ole Obermann, negou que haja problemas com a indústria da música. "Estamos orgulhosos da parceria que temos construído com a indústria e os artistas, e confiantes de que estamos aprimorando nossas relações musicais", disse, para depois alertar que o TikTok não é (ainda) uma empresa de música. "Nossos usuários vão ao TikTok para assistir vídeos, não para escutar faixas inteiras." Resta saber o que ele irá dizer quando o TikTok Music surgir para embaralhar esse jogo.

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